A égua do “Seu Pedro”
Durante essa semana conversei com um amigo que muito se queixava das atitudes de algumas pessoas a sua volta, despreocupadas em atingir importantes objetivos, deixando de lado prioridades em comum, para satisfazer apenas os próprios interesses. A queixa válida, diga-se de passagem, de modo geral era contra o desinteresse absoluto de alguns.
Isso me fez lembrar uma passagem da minha infância.
Quando visitava minha saudosa avó, Adelina, em uma daquelas manhãs gostosas das férias de julho, lembro-me que todos os dias, logo bem cedo, chegava o leiteiro, “Seu Pedro”, com seu farto bom humor e sua charrete sempre barulhenta.
Ia com minha avó lá fora buscar o leite, que era despejado diretamente de uma das garrafas de seu Pedro para dentro da caneca (como não se vê mais), que logo iria para o fogão ferver.
Com a curiosidade que é pertinente a toda criança, enquanto os adultos conversavam, eu observava a égua que puxava a charrete do leiteiro.
Mansa, quieta, e absolutamente obediente ao menor toque nas rédeas.
Acontece que aquela rua sempre fora movimentada, e os carros, que rasgavam para cima e para baixo, só faziam menos barulho que a vizinha da frente, que desde manhã já montava campana para ajudar a cuidar da vida alheia.
Então comecei a me perguntar como aquele animal não tinha medo de tal ambiente barulhento, movimentado e agitado, sendo que, logicamente, era tão diferente de onde estaria acostumada a passar grande parte do tempo.
Quando entramos na cozinha e minha avó foi ferver o leite, aproveitei os minutos em que ficaria grudada ao fogão para evitar que ele derramasse, e resolvi eliminar essa dúvida, perguntando como aquilo era possível.
Com toda a sua calma e simplicidade, ela me respondeu que aquilo era graças ao “tampão” que ficava na parte lateral da cabeça daquele animal, que impedia que ele olhasse em volta e se assustasse. Mesmo quando um carro ou moto vinha de frente com a égua, antes que a proximidade pudesse a assustar, o tampão tirava aquilo de seu campo de visão, e fazia com que ela seguisse em frente.
Aquele dia, mesmo sem saber, eu aprendi um pouco sobre como a vida é.
Pois na vida sempre haverá muito barulho desnecessário e muita gente tentando nos distrair dos nossos objetivos, nos tirando o foco de onde queremos chegar.
Então, às vezes, será preciso que sejamos como a égua daquele simples leiteiro.
Será preciso colocar mentalmente um tampão que nos impeça de ficar olhando tanto a nossa volta, seja para as atitudes egoístas de algumas pessoas, ou para o descaso que alguns têm com aquilo que fazem, pois, dessa forma, conseguiremos enxergar mais atentamente para onde estamos indo, e para onde queremos chegar.
E vestir esse tampão, como pode parecer, não é sinônimo de fechar a mente, ou se tornar desatento aos problemas alheios, pelo contrário, é a forma de enxergar tudo o que é possível, mas de um modo centrado, coerente e eficaz.
Quando se acredita em algo, quando se quer fazer a diferença, e fazer o bem, até mesmo a distração demasiada com a paisagem do mundo pode ser perigosa, pois é preciso alternar a beleza do caminho, com o alívio de chegada.
Aí, você pode vir e me perguntar, “mas onde é a chegada?”
E não sei. Mas acredito que chegar, na verdade, consiste em nunca parar. Nunca desanimar de seguir.
Apesar do barulho do mundo, lembre-se, você sabe para onde quer ir.
Faça como a égua do Seu Pedro: não se distraia.