La grieta

Publicado em 24/10/2014 23:10

Quando estive no Campo Base do Everest em 2001, me lembro de ficar extasiado diante da Cascata de Gelo do Khumbu. A Cascata tem cerca de 900 metros de altura, e é composta por gigantescos blocos de gelo que deslizam vagarosamente, abrindo imensas gretas, as “crevasses”, entre um e outro. As gretas interrompem a subida, separam os grupos de montanhistas, tiram vidas e impedem a missão de escalar a montanha.
Lembrei das gretas ao receber um pequeno vídeo do discurso do jornalista argentino Jorge Lanata na premiação como melhor programa jornalístico da TV Argentina. No vídeo, ele fala da greta, em espanhol, la grieta. Veja aqui: http://bit.ly/1yp4yjh.
Não resisti. Traduzi o discurso de Lanata, substituindo “Argentina”, por “Brasil”. Veja o que você acha:
“Creio que existe uma divisão irreconciliável no Brasil, e a essa divisão chamo de ‘A Greta’. Eu realmente creio que a greta é o pior que se passa conosco. E acredito que vá transcender o atual governo que, se em algum momento se for, será sucedido por outros que também passarão. Mas a greta permanecerá, porque a greta não é política, é cultural, e no sentido mais amplo, tem a ver com a forma como vemos o mundo. A greta separou amigos, irmãos, casais, companheiros de trabalho. Antes havia mais gente que eu saudava por aqui, agora há menos. Provocaram uma greta, uma divisão, com essa história de que quem está contra é um traidor da pátria. É possível sim, estar contra e não ser um traidor da pátria. Creio realmente que todos somos a pátria, creio que todos somos o país, creio que ninguém tem o ‘copyright’ da pátria. ‘Brasil’ não é uma marca registrada de ninguém, de nenhum partido, de nenhum movimento, de nenhum governo, seja qual for. A verdade tampouco, ninguém tem o ‘copyright’ da verdade. Oxalá algum dia possamos superar essa greta, pois dois meios Brasis não somam um Brasil inteiro.”
Lá em 2007 escrevi num artigo chamado “Os Porta-Vozes”, que depois publiquei em meu livro NÓIS…QUI INVERTEMO AS COISA, este trecho:
“Uma pregação que se quer marxista, socialista, esquerdista ou revolucionária – mas que na verdade só é burra – está dividindo o país em duas classes: a ‘elite’ e os oprimidos. E dizendo a elas que não ‘se misturem’. Na verdade, que se odeiem. Essa pregação doentia rotula-me de elite, dando conotação de ofensa ao termo. E diz que sou responsável pela miséria. Para os ‘porta-vozes’, os miseráveis e oprimidos têm o direito de colocar um revólver na minha cabeça e levar meu relógio. E a culpa será minha. Os ‘porta-vozes’ são uma minoria instalada nos partidos políticos, nos órgãos governamentais, nos sindicatos, nas escolas, nas empresas, nas igrejas, em seu condomínio. Uma minoria ideologicamente confusa e míope, a serviço de uma estratégia de poder. Uma minoria capaz de mobilizações, e que acaba influenciando a maioria silenciosa… Quem foi que deu a essa turma a licença para ser ‘porta-voz’ do ódio? A que objetivos serve essa doutrinação?”
A semelhança entre a situação argentina e brasileira não é coincidência. É método.
Sete anos depois concluo que aqueles “porta-vozes”, gente no poder ou próxima dele, é que são a tal “elite”, dedicada nos últimos anos a disseminar o ódio que construiu a imensa greta que hoje divide o Brasil.
É possível, com cuidado, técnica e coragem, vencer as gretas do Everest. Os alpinistas conseguem em conjunto, amarrados um ao outro, na mesma direção. Sem ninguém trabalhando contra.
Talvez haja uma lição aí.
Dois meio Brasis jamais somarão um Brasil inteiro.

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