É a credibilidade, estúpido.
“Se os fatos não se encaixam na teoria, modifique os fatos.” Albert Einstein.
Governos arrecadam impostos e com eles pagam as contas. O dinheiro que sobra depois de pagar as despesas, exceto os juros da dívida pública, é o tal superávit primário. E se o governo pagou tudo, menos os juros da dívida, o superavit é exatamente para isso: pagar os juros da dívida.
O resultado primário, seja ele superávit ou déficit, é um indicador de como o governo está administrando suas contas.
Mas o que é essa tal de dívida pública? O governo toma dinheiro emprestado para financiar parte dos gastos não cobertos com a arrecadação de impostos, e para a gestão financeira do dia a dia. Essa é a dívida pública, que pode ser interna (quando o credor está dentro do país), ou externa (fora do país). Esses credores são bancos públicos ou privados, investidores privados, instituições financeiras internacionais e governos de outros países.
O Presidente da República, por meio da Secretaria do Orçamento Federal, redige a Lei de Diretrizes Orçamentárias (LDO), que é o instrumento legal e normatizador que orienta a elaboração e execução do Orçamento Anual. Além de tratar de gastos com pessoal, alterações tributárias e política fiscal, a LDO determina a meta do superávit primário. Fixada em lei, essa meta é um compromisso que o governo assume, ao dizer para seus credores: “Fiquem tranquilos que teremos dinheiro para pagar vocês.”
Em 2014 a meta oficial era de R$ 116,1 bilhões para o governo federal, incluindo as estatais. E aí começou a criatividade… Desse valor poderiam ser deduzidos R$ 67 bilhões aplicados no PAC e e nas reduções de impostos e tributos que o governo faz para determinados setores da economia, como por exemplo o IPI dos automóveis, as chamadas desonerações. Assim, a meta oficial para o superávit primário caiu para R$ 49,1 bilhões.
No entanto, já prevendo que a meta não seria alcançada, o governo reduziu os R$ 116,1 bi para R$ 80 bi, com possibilidade de abatimento de cerca de R$ 35 bi. O superávit primário que deveria ser de 3,1% do PIB (Produto Interno Bruto), caiu para 1,9%. E a turma começou a ficar (mais) desconfiada.
Esta semana o governo encaminhou para o Congresso um projeto de lei que aumenta o limite do abatimento com os recursos investidos no PAC e desonerações. Até outubro o governo realizou em pagamentos do PAC e desonerações, R$ 127 bilhões. Olha só: 127 menos 80, “sobram” 47 bi. O governo poderá então terminar o ano com um déficit primário, que será maquiado, escondido por uma manobra.
Querem mudar as regras no final do jogo.
É o fim do mundo? Não. EUA, Canadá, México, Argentina, Reino Unido, França e China, por exemplo, tiveram déficits em vários momentos nos últimos anos. Onde é que o bicho pega então?
Na credibilidade. Há tempos vários organismos nacionais e estrangeiros já apontaram que o Brasil não cumpriria a meta. E foram chamados de agourentos pelos simpatizantes do governo.
O governo fixou uma meta, mudou-a duas vezes e agora, aos 43 do segundo tempo, vem dizer que não há mais meta. E, questionado, diz: “Ah, mas os outros também não vão cumprir…”.
Pois é. Tem gente que fica satisfeita com essa “explicação”, sem saber que essa quebra de compromisso pode ser enquadrada como crime de responsabilidade…
O governo não sabe se terá receita primária suficiente para pagar todos os compromissos, inclusive os juros da dívida pública. E não admite isso. E cria truques para esconder os resultados ruins. Para os credores da dívida, a capacidade que o governo tem de honrar seus compromissos é incerta, o planejamento é incerto, a competência é incerta, a capacidade de controlar as contas é incerta. A transparência é incerta. E diante dessa imprevisibilidade, passam a ter razões para tratar o governo como um potencial caloteiro.
– Maria, o Luciano prometeu, não vai cumprir e tenho a impressão que está querendo me enrolar.
– Acho que ele não é capaz de administrar suas contas, José.
– O que faremos?
– Corta o crédito dele!
É a credibilidade, estúpido.