Bola dividida

Publicado em 7/02/2014 23:02

Bola dividida tem tudo a ver com a música composta, nos anos 80, pelo sambista Luiz Ayrão, e hoje muito bem interpretada por Zeca Baleiro.
Bola dividida também é programa esportivo, exibido pela Rede TV, sobre debate descontraído e bem humorado de temas polêmicos do mundo do futebol.
Mas só Fernando Veríssimo pode definir com categoria “aquela bola”, aquele lance fundamental para a feitura daquilo que é o êxtase do futebol: o gol!
“Na volta do jogo, o pai, dirigindo o carro, a mãe, ao seu lado, o garoto no banco de trás, ninguém dizia nada. Finalmente o pai não aguentou e falou:
– Você não podia ter perdido aquela bola, Jairzinho!
– Gouveia… – começou a dizer a mãe, mas o pai continuou:
– Foi a bola do jogo. Você não dividiu, perdeu a bola e o gol.
– Deixa o menino, Gouveia.
– Não! Deixa o menino, não! Ele tem de aprender que, numa bola dividida como aquela, se entra pra rachar. O outro, o neguinho que é do mesmo tamanho dele, dividiu, ficou com a bola e saiu jogando com aquela falsa categoria que a torcida gritava.
– O neguinho se chama Amorim. É o melhor amigo dele.
– Não interessa, Dalva. Nessas horas não tem amigo. É bola ou bolim, em bola dividida, não existe amigo.
– E se ele machucasse o Amorim?
– E se machucasse? O Amorim teve medo de machucar o colega? Não teve. Entrou mais decidido do que ele na bola, ficou com ela e eles ganharam o jogo.
– Você está dizendo para o seu filho que é mais importante ficar com a bola do que não machucar um amigo?
– Estou dizendo que em bola dividida ganha quem entra com mais decisão. Amigo ou não.
– Vale rachar a canela de um amigo pra ficar com a bola?
– Vale entrar com firmeza, só isso. Pé de ferro. Doa a quem doer.
– É apenas futebol, Gouveia.
– Aí que você se engana. Não é apenas futebol. É a vida. Ele tem que aprender que na vida dele haverão várias ocasiões em que ele terá que dividir a bola pra rachar e…
– Haverá – disse Jairzinho, no banco de trás.
– O quê?
– Acho que não é “haverão”. É haverá. O verbo haver não…
– Ah, agora estão corrigindo meu português. Muito bem! Eu não sou apenas o pai insensível, que quer ver o filho quebrando pernas pra vencer na vida. Também não sei gramática.
– Gouveia…
– Pois fiquem sabendo que o que se aprende na vida é muito mais importante do que se aprende na escola. Está me ouvindo, Jairzinho?
Um dia você ainda vai agradecer ao seu pai por ter lhe ensinado que na vida vence quem entra nas divididas pra valer.
– Como você, Gouveia?
– O quê?
Você dividiu muitas bolas pra subir na vida, Gouveia? Não parece, porque não subiu.
– Ora, Dalva…
– Conta pro Jairzinho em quantas divididas você entrou na sua vida.
– Dalva, minha estrela, eu só estava falando em tese…”

Última Edição