Aparecidão, o “Profeta hoje esquecido”
Aparecido Galdino Jacinto conta sua trajetória nas prisões e manicômio, na época do regime civil militar
Sofri injustiça, tortura, fui para a cadeira elétrica, mas eu não era louco; sou um profeta de Deus
Por Lucas Machado
Nesta semana, a reportagem de O Jornal visitou o aposentado Aparecido Galdino Jacinto, mais conhecido como Aparecidão, ou o ‘Profeta das Águas’.
Para quem ainda não conhece, resgatando a história, na época da ditadura militar, entre 1972 e 1979, Aparecido Galdino Jacintho ficou preso por organizar um “exercito divino”, formado por camponeses, com o objetivo de impedir a criação de uma barragem no Rio Paraná para a construção da hidroelétrica de Ilha Solteira e a inundação da ‘antiga’ Rubineia.
Preso em 1º de outubro de 1970, Aparecidão foi detido como preso político no Dops – Departamento de Ordem Política e Social –, e no DOI-Codi – Destacamento de Operações de Informações – Centro de Operações de Defesa Interna, levado pelo delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos piores torturadores do regime civil-militar da época, onde foi torturado.
Galdino foi acusado de subversivo, mas a Justiça Militar não reuniu provas que pudessem condená-lo; no entanto, não podia absolvê-lo. Foi então que, em 27 de dezembro do mesmo ano, o mesmo foi encaminhado ao manicômio Judiciário de Franco da Rocha, procedente da casa de detenção de São Paulo, para cumprir medida de segurança detentiva.
Nove anos depois, em 6 de junho de 1979, Aparecido Galdino saiu do manicômio de Franco da Rocha. Ao sair daquele lugar, o profeta foi a casa de um de seus filhos, em Campinas, onde viu um passarinho no chão, em uma gaiola, e o libertou. Aparecidão fizera a reflexão de que um pássaro precisa aprender a ser livre depois que fica muito tempo preso. Um homem, não. ‘Um homem que tem fé nunca fica completamente preso. O corpo de um homem com fé fica preso, mas o espírito fica livre. Meu corpo esteve preso e está cansado. Meu espírito não esteve preso, e está muito bem’.
Ainda na época, o prefeito de Santa Fé, Edinho Araújo, propôs uma reintegração de Aparecido na sociedade. De acordo com ele, esta deveria ser feita na mesma região de onde ele fora afastado, e, para isso, nomeou Aparecido para um emprego na Prefeitura.
Hoje, aos 91 anos, vive em uma casa humilde no bairro São Francisco, casado pela segunda vez, e vive com três filhos.
“Passei fome, sede. Fui para a cadeira elétrica, passei por tanta coisa. Quem me tirou daquele lugar foi o senhor Jesus Cristo. Eu vivo com Deus desde que nasci. Sofri cadeia, sofri injustiça, apanhei, sem dever nada. Eu não sou criminoso. Me julgaram porque eram acostumados a julgar e judiar. No manicômio, os jovens eram amarrados e pendurados, e eu os via morrer. Eu vivi a maior revolta no manicômio”, contou ele.
Ele relatou que, na época, muita gente morria torturada, ou levavam injeção letal. “Eu cheguei a ser ajudante na cozinha do manicômio. Eu não era louco, trabalhava com faca”, relatou.
Aparecidão, apesar de toda a história que envolve sua vida, contou a reportagem que em Santa Fé, o ambiente está diferente, e que as pessoas não o conhecem mais, e, mesmo que tenha sido protagonista do documentário “O Profeta das Águas”, produzido por Leopoldo Nunes, as pessoas que o visitavam, sumiram.
“Muita gente me visitava, mas sumiram. Quando eu saí do manicômio, as pessoas pensavam que eu era louco. Era pra eu ter um valor muito grande na cidade. Estou esquecidíssimo por Santa Fé. Ouço as pessoas que passam perto de mim dizer ‘esse é o louco que foi para o manicômio, ele é perigoso’”, contou ele.
Atualmente, aposentado pela Prefeitura, Aparecidão relata que vive com um salário mínimo para sustentar sua família, a mulher e mais três filhos que vivem com ele. “Eu não recebo mais as pessoas em casa para benzer, apenas rezo por elas sozinho. Eu era perseguido por isso, e então parei”, disse.
O profeta afirma que sempre foi feliz morando em Santa Fé. “Eu não era louco, nunca nem tomei remédio. Não temi a morte, pois sou marcado por Deus, e Ele me tirou de onde eu estava”, finalizou Aparecido Galdino.
O filme ‘Profeta das Águas’
De 1986 até 2005, o diretor Leopoldo Nunes acompanhou Aparecido Galdino produziu um documentário que conta a trajetória de Galdino, mais conhecido como Aparecidão, um vaqueiro analfabeto, místico, que falava sobre o sagrado, o humano e o político ao mesmo tempo para justificar suas ações de vida.
Galdino chegou a reunir de uma só vez cerca de 800 pessoas em seus encontros religiosos. A fé e a política são os eixos principais do filme de Nunes. Juntos com a psiquiatria repressiva e a questão ambiental.
Tudo se passa no auge da repressão da ditadura civil-militar, em contraste com o sonho de um Brasil Grande, onde a questão energética é central, assim como a luta pela terra, seu valor para quem nela trabalha, a questão da propriedade e da posse, temas a serem debatidos pelos brasileiros.