AS CONTRADIÇÕES DO NATAL
Converso com você como se comigo conversasse. E as perguntas que às vezes deixo no ar são aquelas que não consegui responder, mas que não me permito que fiquem sem resposta. E se, a cada final de ano, as reflexões nos obrigam a calar mais para mais valores internos adquirirmos, divido com você minhas conjecturas…
Alguém me perguntou se o número de mortes aumenta na época do Natal. Não soube responder. Talvez aumente, tanto quanto aumenta no período do Carnaval, pelo excesso de consumo de bebidas alcoólicas ou porque a depressão e a melancolia levam mais pessoas a se drogarem ou a se suicidarem. Precisaria fazer um estudo, mas, nessa época, não tenho tempo…
É tanta confraternização, é tanta festa, é tanta gente que a gente quer rever e visitar todos como se fosse a última vez. É tanto presente para comprar, tanta coisa para decidir (afinal, onde você vai passar o Natal e o Ano Novo?).
A gente acaba ficando angustiada, pois não quer magoar alguém que nos é querido… (e se minha filha não gostar do presente?) Mas que diferença faz um presente? Afinal, o aniversariante mesmo não vai receber o presente que gostaria: a Paz entre os homens!!!
Ainda não armei minha árvore! Não tive tempo. Eu já falei que o tempo da gente está diminuindo, e ninguém faz nada a respeito… Antigamente a gente cuidava de montar a árvore nos primeiros dias de dezembro. Agora, já não faz diferença… Também… Chove todo dia, um monte de gente desabrigada. Que diferença vai fazer minha árvore. Não preciso dela para lembrar que é Natal e muita gente não vai ter o que comemorar…
Mesmo com tanta chuva e tanto calor, as pessoas vão às ruas. Acho que nem elas sabem por que, já que todos estão com medo da crise financeira mundial. Ninguém tem dinheiro… Mas é hábito ir às ruas, talvez por ansiedade. Acho que não vai sobrar nenhum pisca-pisca pra eu comprar se descobrir que os do ano passado estão queimados. Será que todo mundo já enfeitou sua árvore? Será que compraram todos os pisca-piscas?
Acho que sei por que queremos tanto nos reunir! Aproximamos-nos dos que ainda estão fisicamente presentes e os abraçamos no lugar daqueles que já se foram e nos fazem falta!!!
Enfiam-nos a miséria e o sofrimento goela abaixo através dos nossos aparelhos de TV e parece que tudo fica maior nessa época. Parece sempre que as perdas foram maiores que os ganhos, e, no entanto, é a mesma miséria, a mesma violência e o mesmo sofrimento exibido o ano inteiro. Só que agora camuflamos nossa impotência diante deles através de perus, compras, presentes, comidas e bebidas para a nossa farta ceia. A ceia farta, e a festa metamorfoseada em um vazio de sentimentos e significados…
Sempre acreditamos que poderíamos ter feito mais no ano que está acabando. E, plagiando o poeta, poderíamos mesmo ter nos preocupado mais, dividido mais nosso tempo com o próximo, reclamado menos, produzido mais para nosso bem estar interior… Mas nos resta um consolo: Podemos fazer mil promessas para o ano que vem!!! Podemos fazer novos planos enquanto abrimos nossos presentes que, na maioria das vezes, não têm significado algum no dia seguinte…
E mais uma vez, nessa época do ano, vamos enxugar lágrimas furtivas, prometer coisas que não vamos cumprir e fazer perguntas que ninguém vai nos responder…