MILÍCIA EXPANDE NEGÓCIOS NO RIO E ‘EXPORTA’ MODELO PARA OUTROS ESTADOS

Publicado em 6/01/2016 16:01

O crescimento da milícia nos últimos anos não foi apenas territorial, mas na ampliação das atividades ilegais que esses grupos dominam. O segundo capítulo da série do G1 sobre as mudanças nas milícias no Rio mostra que, além da exploração de TV a cabo ilegal — conhecida como “gatonet” — venda de botijão de gás e transporte alternativo, os grupos criminosos passaram a dominar recentemente motéis localizados na Avenida Brasil.
Outra diversificação dos negócios é a atuação nos imóveis do programa habitacional do governo federal “Minha Casa, Minha Vida” — as investigações revelam que ela acontece desde os canteiros de obra.
De acordo com o Ministério Público (MP) do Rio, o grupo cobra para fazer o que eles chamam de “segurança” e ainda utiliza quartos dos motéis para praticar atividades ilegais. “A gente sabe que alguns deles utilizam quartos de determinados motéis como esconderijo ou escritório”, disse o promotor Marcos Vinícius Leite, de Campo Grande.
A prática de ocupação de imóveis do “Minha Casa, Minha Vida” foi adotada nos últimos anos. Assim que os donos tomavam posse dos apartamentos, eram expulsos pelos milicianos. No entanto, segundo o MP, já há informação que em algumas regiões os criminosos estariam fazendo a segurança informal ainda na fase de construção do imóvel.
“Sabemos de obras que eles começaram a fazer a ‘segurança’ no canteiro de obras. Depois emplacaram a segurança lá dentro”, destacou o promotor de Justiça de Santa Cruz, Luiz Antônio Ayres.
Em abril, o ministro das Cidades, Gilberto Magalhães, e o da Justiça, José Eduardo Cardozo, anunciaram que o governo iria investigar as denúncias de que milícias obrigaram famílias a deixarem imóveis do programa “Minha Casa, Minha Vida”. Numa cerimônia que contou com a presença do governador Luiz Fernando Pezão, eles assinaram uma portaria que criou um grupo interministerial para se dedicar à questão.
Para o deputado estadual Marcelo Freixo (PSOL-RJ), que presidiu a Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) das Milícias, o maior projeto da milícia é o financeiro, onde se concentra sua força. Segundo ele, apesar de muitas prisões terem sido feitas após o relatório final da CPI, não é possível combater essa atividade criminosa sem atingir o seu poder econômico.
“O principal projeto deles é o projeto financeiro, o que a milícia quer é dinheiro. Controle da van, gás, extorsão, controle da expansão imobiliária, agiotagem, você tem uma diversidade de atividades econômicas, e nisso o estado não meteu a mão. O estado prendeu depois da CPI, mas parou por aí. Isso é um erro. E a CPI das Milícias diz que se não for no coração econômico da milícia, não vai resolver”, garantiu o deputado.
Expansão dentro e fora do Rio de Janeiro
Segundo o promotor Luiz Antônio, além de crescer no Rio, nos últimos anos a milícia começou a se expandir para outros estados. “O Rio de Janeiro é pioneiro em tudo no crime. A milícia é uma ‘invenção’ nossa, que está sendo exportada para outros estados, cada um com as suas peculiaridades, mas já identificamos milicianos agindo em outros estados. Já foram identificados grupos no Pará, São Paulo, Bahia, Ceará, Mato Grosso do Sul”, garantiu.
Em janeiro de 2015, a Assembleia Legislativa do Estado do Pará confirmou no relatório final da CPI das Milícias que de fato foi constatada a existência desse grupo criminoso atuando no estado. “Pode-se afirmar categoricamente: existem milícias em plena atuação no estado do Pará, em especial na região metropolitana de Belém, onde pelo menos três milícias coexistem”, diz o documento.
Já o corregedor-geral da Bahia, Nelson Gaspar, negou que haja formação de milícia no estado, mas admitiu que existem grupos de policiais militares fazendo a segurança de comunidades carentes, mas disse que a polícia não tem conhecimento de punições ou ameaças no caso do morador se recusar a pagar.
O Ministério Público Federal informou que existe um inquérito policial em andamento para investigar a formação de milícia privada por fazendeiros. Ainda segundo o MPF, o inquérito está em fase de cumprimento de diligências.
A Secretaria Pública de Segurança de São Paulo negou a existência de milícia no estado, mas, de acordo com uma matéria publicada pelo jornal “O Globo” em 2012, milicianos disputavam com traficantes o controle de caça-níqueis em São Paulo. Ainda segundo a reportagem, de um lado estaria uma facção que dominava presídios paulistas e, de outro, uma milícia formada por policiais militares aposentados e da ativa.
A controladoria geral de disciplina do Ceará alegou que não há registro da atuação de milicianos no estado, no entanto, em novembro de 2015, o deputado estadual Capitão Wagner afirmou, na Assembleia Legislativa do estado, que além da presença de milícias na Polícia Militar do estado, os policiais “com afinidade com o tráfico de droga” receberam promoções dentro da corporação. “É preciso cortar um a um esses criminosos e cortar a cabeça da cobra”, disse o deputado.
Em julho, a Justiça do Ceará determinou a prisão preventiva da suplente de vereador Fernanda Araújo Ferreira pelos crimes de tráfico, associação ao tráfico de drogas e constituição de milícia armada.
A milícia também está se expandindo territorialmente no Rio de Janeiro. Se em 2005 elas dominavam predominantemente a Zona Oeste da cidade, atualmente há informações de milícia em outros municípios, inclusive no Sul do estado e em áreas da Região Metropolitana do Rio como a Grande Tijuca.
Uma pesquisa da antropóloga Alba Zaluar (compare os gráficos acima e abaixo), publicado em 2011, mostra que entre os anos de 2005 e 2011 a milícia foi a atividade criminosa que mais cresceu comparando com o tráfico de drogas.
“A Liga da Justiça hoje tem uma atuação que vai, aproximadamente, de Realengo a Angra dos Reis, passando por Realengo, Bangu, Cosmos, Inhoaíba, Campo Grande, Paciência, Santa Cruz, Sepetiba, Itaguaí, Mangaratiba, Angra dos Reis e Seropédica. A milícia também atua no Terreirão, Gardênia Azul, Rio das Pedras, Vargem Grande, Vargem Pequena, Barra, Méier, Guadalupe e Anchieta. Até hoje as pessoas não percebem o risco que é a milícia. Na minha opinião a milícia é o mais sério risco de segurança pública que já enfrentamos até hoje”, garante Ayres.

g1.globo.com

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