O capataz, o prefeito ou o coronel?

Publicado em 4/06/2016 00:06

Dia 30 de maio de 1906, período da Primeira República do Brasil.
Inicia-se mais um dia normal na Estância dos Coronéis, cidade do interior de São Paulo, assim nomeada em razão do largo enraizamento do “coronelismo” naquela região.
Na Prefeitura da Estância, a secretária arruma os papeis sobre a mesa enquanto os integrantes da reunião, que está para começar, vão adentrando a sala.
Em poucos minutos quase todos ocupam os seus lugares. Resta apenas uma cadeira vazia.
O prefeito troca olhares silenciosos com os outros membros da cúpula à medida que a espera por aquele último integrante torna-se quase que inquietante.
Na antessala, ouvem o telefone castiçal de bronze tocar brevemente antes da secretária atender.
Um minuto depois ela entra com o recado:
– O coronel pediu para começarem sem ele.
Não há indagações, os participantes ajeitam as folhas diante deles e preparam-se para o início da pauta, que então é puxada pelo fiel capataz do prefeito, sentado ao seu lado:
– Precisamos decidir se destinaremos os recursos recebidos do Governo Federal ao bairro de Vila Maria para melhorar o saneamento naquela região e impedir o avanço da febre amarela. Quem é favorável a essa medida? – questiona o capataz.
Todos levantam a mão, menos o prefeito, que aguarda o capataz continuar:
– Entendo vocês. Mas acho que deveríamos dar uma lição no líder dessa comunidade, o Sr. Jeremias, que andou boquejando lá na venda do seo Manoel sobre a administração do nosso prefeito…
– Não envie as verbas – o interrompe o prefeito – vamos cortar gastos.
As mãos dos membros se abaixam, algumas com certo receio. Segue a pauta o capataz:
– O Seu Pedro da barbearia solicita a remoção de árvores podres que existem na lateral do seu estabelecimento, pedindo ainda que façamos uma nova calçada que facilite o acesso dos transeuntes ali e naqueles arredores. Quem é favorável a essa medida?
Mais uma vez, todas as mãos se levantam, com exceção da do prefeito, que aguarda:
– Entendo. – diz o capataz – só acho que deveríamos analisar que nesse estabelecimento só frequentam pessoas contrárias ao nosso prefeito, inclusive muitos idealistas que se dizem enojados pela política do “café com leite” da nossa “República dos Bacharéis”…
– Removam as árvores, deixem os buracos e mandem o seo Pedro e os seus amigos se virarem com a calçada. Não tenho dinheiro para gastar com isso – sentencia o prefeito.
Os outros membros abaixam timidamente as mãos e o capataz emenda:
– Bom, nesse caso, passemos a votação dos nomes indicados para chefe do Sindicato…
– Não haverá votação. O chefe será o Sr. Alfredo, meu companheiro de longa data. Qual o próximo assunto? – agiliza o prefeito.
– Precisamos da opinião do responsável pela Engenharia da cidade sobre a construção…
– Não precisamos da opinião dele. Eu o demiti ontem. Ouvi dizer que não estava alinhado com os projetos que temos para as eleições deste ano…
Um dos membros da reunião, que até então permanecera em silêncio, interpela assustado o chefe do executivo:
– Demitido? Mas, Sr. Prefeito, ele tem anos de experiência com obras públicas e…
– Uma cidade não se constrói com engenheiros, mas sim com apoio político. Prossigamos… – diz, impaciente, o prefeito, enquanto o seu capataz sorri.
O barulho do telefone na antessala interrompe a conversa e, até mesmo, a respiração dos presentes.
Após um minuto, a secretária adentra e diz:
– O coronel pediu para suspenderem a reunião até ele analisar essas questões e algumas possíveis alianças que surgiram agora pela manhã. Ele disse que decidirá depois.
Em meio a perplexidade de alguns e o desconcerto de outros, como no caso do prefeito e do capataz, todos os membros seguem aturdidos novamente para a sua rotina mecânica repleta de decisões engessadas.
A pergunta de todos – inclusive da população – é a mesma: afinal, quem manda na cidade? Quem governa, de verdade?
O capataz, o prefeito ou o coronel?
Cada um pensa de um jeito. São muitas as opiniões.
Contudo, uma coisa é certa: nestes ou em outros tempos, é o povo que tem o poder de decidir e mudar isso.
Saibamos fazê-lo.

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