O fator Merlin
Descobri o que acontece com aquela gente enfática, que sabe de tudo e sobre tudo, que tem certezas definitivas. É uma doença provocada por uma bactéria chamada Tenhus Certezae Dittudus, que atualmente é disseminada principalmente pelas redes sociais.
A doença chama-se egosidade, e caracteriza-se por um ego gordo, que se manifesta em quatro fases: a inicial, a progressiva, a última fase e a mórbida.
Na inicial, o indivíduo se acha, mas não tem certeza. Na progressiva, ele se acha e tem quase certeza. Na última fase ele se acha, e tem certeza. E na mórbida, ele nem se acha, só tem certezas.
A cura para a egosidade está na compreensão de que ninguém precisa estar certo todo o tempo. Que a sua verdade pessoal não é universal. E ela, a cura, chega através de exercícios, o principal deles o da humildade de dizer: “Eu não sei” e “Eu me enganei”.
Egosos mórbidos simplesmente não conseguem dizer essas expressões. Acham que assim estarão admitindo que falharam, que não são tão bons quanto parecem. Quem já se livrou da egosidade sabe que essas duas afirmações são libertadoras.
Mas tem um truque aí. Esse remédio só funciona se as frases forem ditas com uma complementação mental. Vou dar primeiro o exemplo errado:
– Eu não sei. Sou um ignorante.
– Me enganei. Culpa do contexto, dele, dela, do chefe, de Deus ou do diabo.
Essas formas negativas do egoso expressar suas verdades neutralizam qualquer poder curativo. Na primeira, “me enganei, sou um ignorante”, a constatação negativa derruba a auto estima e coloca o egoso numa posição de fragilidade. Ele não sabe que não é ignorante, apenas está ignorante. E estar ignorante é uma condição da qual ele pode sair.
Dizer “me enganei, a culpa é de outro” é mais um autoengano. Joga a responsabilidade para terceiros, desculpa tudo e não ensina nada.
Para combater a Tenhus Certezae Dittudus, essas frases precisam ser ditas de forma positiva:
– Eu não sei, quero aprender.
– Me enganei, quero acertar.
Sacou? Ditas assim, as frases não são humilhantes, não pregam a fuga da responsabilidade, pelo contrário, mostram que a intenção do egoso é acertar. Melhorar. Crescer.
O remédio para a egosidade então é praticar o “não sei” e o “me enganei” de forma positiva.
Mas existe um outro remedinho matador: o “mudei de ideia”, que é poderoso…
Para o egoso mórbido, “mudar de ideia” passa a impressão de incerteza, falta de liderança, insegurança, falta de confiança e até mesmo fraqueza de caráter. Afinal, gostamos mesmo é de gente segura! Como se o mundo fosse linear, como se houvesse claramente o preto e o branco, o certo e o errado, um ou outro, sem ambiguidades… Mas não é assim.
A principal razão tem a ver com um certo senso de propriedade. Quando o egoso dá uma opinião, ela deixa de ser uma opinião para ser a opinião dele. Ou dela. O egoso se conecta emocionalmente à opinião, ficando cego e surdo para problemas evidentes que ela apresenta. Aquela opinião passa a ser parte dele e quem a ameaçar, estará ameaçando a ele.
É dessa armadilha que quem quer deixar de ser egoso, precisa escapar.
O “Não sei”, “Me enganei” e “Mudei de ideia” são três estratégias cognitivas e emocionais que permitem superar os principais obstáculos à cura da egosidade: a sensação de culpa, vergonha ou humilhação. E ajudam a criar outra bactéria, a NãoTenhus Certezae Dinnada, que devora a Tenhus Certezae Dittudus.
“Não sei”, “Me enganei” e “Mudei de ideia” induzem a uma certa vulnerabilidade de pensamento que faz o egoso compreender que tem o direito de estar errado, que não precisa estar sempre certo, e não deve se envergonhar por estar errado. Quando isso acontece, o egoso ganha poder, deixa de se preocupar com o que os outros vão pensar dele, experimenta, explora, aprende e cresce. E desegosa.
O nome disso é liberdade.