NEGRO VAI TER QUE CONFIRMAR SUA COR PARA GARANTIR COTA

Publicado em 4/08/2016 11:08

Dois anos após a criação da reserva de 20% de cotas para negros em concursos públicos federais, o governo Temer criou uma comissão para atestar a negritude dos candidatos, o que promete grande polêmica.
A portaria do Ministério do Planejamento, publicada na terça-feira, dia 2, no Diário Oficial da União, tem como objetivo acabar com as fraudes, mas divide opiniões. As cotas raciais fazem parte de pacote de medidas governamentais chamadas de ações afirmativas para dar mais chances aos negros em concursos e vestibulares federais.
Antes da portaria, bastava o candidato se assumir como negro. Com a nova regra, mesmo aprovado, o candidato vai ter de se submeter a uma comissão que vai verificar sua negritude por meio de fenotípicos, ou seja, características como cor de pele, tipo de cabelo e formato de lábios e nariz.
A assistente social Pamela Barbosa Galdino, 31 anos, que já prestou concursos com cotas raciais, acha que a portaria dá poder exagerado ao governo. “Não concordo com a ideia de que outras pessoas vão decidir o que eu já sei que sou, negra”, diz a concurseira.
Também contrário à medida, o presidente do Conselho Municipal da Comunidade Negra de Rio Preto, Tiago Vinicius André dos Santos, 35 anos, diz que este sistema já testado na Universidade Nacional de Brasília foi criticado pelo Supremo Tribunal Federal, em abril de 2012. “Com intenção de combater a fraude, o governo vai provocar brigas jurídicas das pessoas que se sentirem injustiçadas”.
Para Elisa Lucas Rodrigues, da Coordenadoria de Políticas para a População Negra e Indígena de São Paulo, a nova medida vai blindar as cotas contra fraudes. “Vai afastar as pessoas que fingem ser negras para conquistar vagas mais fácil pelas cotas”, afirma a coordenadora.
O professor de Direito Constitucional da Unirp, Henry Atique, 36 anos, concorda com a portaria, mas faz ressalvas sobre o risco de constrangimento. “A portaria de regulamentação estabelece critérios não previstos da lei de criação das cotas em concursos públicos federais, o que não é aceitável judicialmente. Precisava criar uma forma de evitar as fraudes, mas há risco de alguém passar por constrangimento nas comissões e pedir na Justiça reparação por danos morais”, alerta.
Todos os entrevistados sugerem que o governo Temer suspenda a portaria e promova debates para redefinir as formas de barrar as fraudes.

Análises

Governo não pode definir quem é negro
“É equivocado criar comissões governamentais para estabelecer quem é negro. Vale o que a pessoa disser. Definir etnia por fenotípicos pode gerar injustiça, porque nem todos os negros são iguais fisicamente. Houve miscigenação no Brasil. Se o homem negro casa com uma mulher branca, a criança vai ter características das duas etnias. O critério recomendado pelo ONU é a auto declaração, como acontece nas pesquisas do IBGE.”

HÉDIO SILVA – Advogado, ex-secretário estadual de Justiça de São Paulo
Vai acabar com as fraudes
“Havia uma brecha absurda que dava margens a fraudes. Lógico que vão surgir críticas como ocorreu na Universidade de Brasília, onde também tinha comissão. Mas é bom dizer que lá só teve oito ações judiciais. Mas na UERJ, onde o critério é só a auto declaração, ocorreram mais de 300 processos de pessoas barradas nas cotas. A auto declaração era banalizada. Tem de ocorrer a fiscalização.”
HUMBERTO ADAMI – Advogado, Comissão de Combate ao Racismo da OAB/ Nacional

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