A política da pós-verdade
A revista The Economist publicou recentemente um artigo que trata da era da pós-verdade, usando como exemplo a campanha eleitoral dos EUA. Mais propriamente, o candidato Trump, de quem a revista é contra. Pós-verdade é a confiança em afirmações que parecem verdadeiras, mas não têm qualquer base em fatos. Hélio Schwartsman comentou muito bem esse fato ao dizer que:
“Parte do problema é a natureza humana. Nossos cérebros têm uma perigosa inclinação por acreditar naquilo que nossos sentimentos dizem que está certo e evitam o trabalho de conferir a veracidade das teses de que gostamos. E, se nunca foi fácil estabelecer o que pode ser considerado um fato na política, isso está se tornando cada vez mais difícil. (…) Primeiro, instituições que se encarregavam de facilitar a formação de consensos como escolas, ciência, Justiça e mídia vêm sendo vistas com mais desconfiança pelo público. Além disso, passamos a nos informar através de algoritmos que, em vez de nos expor ao contraditório, nos enterram cada vez mais fundo naquelas versões que já estávamos mais dispostos a acreditar. Daí aos reinos mágicos é só um pulinho.”…
A pós-verdade sempre existiu como arma política, mas com o surgimento das redes sociais tomou conta de todos os aspectos de nossas vidas. Multiplicamos e fragmentamos nossas fontes de informação e mergulhamos num mundo onde damos mais credibilidade ao sujeito que comentou o post do que à fonte que publicou a informação que deu origem ao post. O resultado? A pós-verdade.
Fofocas, mentiras e dados manipulados ganham rapidamente a aparência de verdades, e os profissionais da comunicação sabem como trabalhar isso muito bem. Sob bombardeio, até influenciadores bem intencionados caem na armadilha: ao buscar uma imparcialidade impossível, dão voz a qualquer um e ajudam que a verdade se transforme em questão de opinião.
– Afinal, foi golpe ou não foi golpe?
– Depende…
Nesse contexto, sentimentos, e não fatos, se transformam na matéria prima dos influenciadores e influenciados. Os pós-verdadeiros competentes nem mesmo falsificam a verdade, mas a colocam em segundo plano. Ela está lá, de vez em quando dá os ares da graça só para garantir alguma credibilidade, mas não tem muita importância. É como assombração: eu nunca vi e acho que não existe, mas tem sempre alguém pra jurar que viu… O que importa é a opinião. Criam-se desse modo falsas visões de mundo, romantizadas, apontando para utopias e explorando a perigosa inclinação por acreditar naquilo que nossos sentimentos dizem que está certo.
E quando você contesta o autor da pós-verdade, torna-se um validador da situação do nós-contra-eles que tanto interessa a ele. Quanto mais você o combater, mais tempo manterá a pós-verdade sob os holofotes. Quem assistiu os embates durante as discussões do impeachment viu claramente a técnica em ação: repita todo tempo uma pós-verdade, faça com que ela permaneça em evidência. Isso aumenta as chances de que mais gente acredite nela.
Qual é o caminho então?
Bem, eu acho que estas gerações não tem mais jeito. Deveríamos estar investindo nas próximas, ensinando nossas crianças, desde muito cedo, a pensar racionalmente, dar valor à objetividade, a compreender as relações de causa e efeito. Deveríamos ensiná-las a respeitar, copiar e admirar quem é bom, capaz, estudioso, inteligente, honesto e competente, assim as ajudaríamos a evitar que, no bombardeio de ideias conflituosas e confusas da era da pós-verdade, se agarrassem a uma só visão, a um salvador da pátria. E se transformassem em massa de manobra. E fique certo: essas coisas não se ensina na escola.
Essa deveria ser nossa missão: transformar, para nossos filhos, a política da pós-verdade em política da pró-verdade.