Em exibição em São Paulo, o documentário O Profeta das Águas
Da Redação
O documentário O Profeta das Águas, do diretor santafessulense Leopoldo Nunes, está sendo exibido em São Paulo, em circuito comercial graças a uma seleção no edital SPCine para a circulação de longas metragens de pequeno orçamento. O documentário começou a ser exibido anteontem, e vai até dia 26, no Multiplex Campo Limpo, em São Paulo.
O filme foi lançado em 2005 no circuito independente e agora a produção faturou R$ 30 mil para investir em despesas de comercialização.
Quem inscreveu o documentário no edital foi o cineasta riopretense Reinaldo Volpato, que ficou com o crédito de montador e produtor executivo do filme. Proprietário da Taus Produções Audiovisuais, ele foi contratado para finalizar e concretizar o projeto que vai além da reconstituição memorialística. O filme conta com dramatizações e matérias de arquivo, como reportagens de jornais e revistas, assim como conta com participações de nomes como o ex-preso político Alípio Freire, Dom Paulo Evaristo Arns, o jornalista Ricardo Carvalho, do advogado, jornalista e ex-diretor responsável de O Jornal, Alcides Silva, além de familiares, policiais, dentre outras autoridades.
O filme
Trata-se de uma história real e desconhecida do líder messiânico que caiu nas garras da ditadura, enfrentou a tortura, a prisão e foi esquecido em num manicômio por sete anos.
Nas décadas de 1960 e 70, na fronteira entre São Paulo, Minas Gerais e Mato Grosso do Sul, uma hidrelétrica começa a ser construída por militares. Contra a obra estava o vaqueiro analfabeto, líder religioso e curandeiro místico Aparecido Galdino, que reuniu um grupo de seguidores e lavradores para impedir a construção. Além de pregar, curar, praticar a justiça e a fraternidade, ele tinha o objetivo de evitar a inundação das terras da região e salvar o rio Paraná.
Com sua abordagem messiânica de proteger a terra e se colocar contra os militares, ele virou um caso de segurança nacional e acabou vítima da vingança de um delegado local. Galdino acabou detido pelo governo da ditadura, assim como seu grupo de seguidores foi reprimido brutalmente pelos militares. Alguns são torturados e soltos, mas o profeta acaba nas mãos do delegado Sérgio Paranhos Fleury, um dos mais famosos torturadores do período.
Sem fazer parte de nenhum movimento político, nem quem pudesse articular ou pleitear sua soltura, ele ficou sete anos no Manicômio Judiciário de Franco da Rocha.
Após um intenso movimento de um grupo de entidades que atuavam em defesa de direitos individuais e políticos, foi libertado.
O filme, em geral, além de contar uma história, instiga uma reflexão sobre a política punitiva do governo militar e lembra a história de Canudos, que foi um confronto entre um movimento popular de fundo sócioreligioso e o Exército da República.
Hoje, ainda vivo, Aparecidão, como é conhecido em Santa Fé do Sul, tem 90 anos e continua a profetizar e pregar a paz e a justiça. Ele permanece na cidade e prefere viver no anonimato.
Na época do lançamento, em 2005, as sessões do filme foram feitas em Santa Fé do Sul, e toda a sua família compareceu às exibições públicas, menos Galdino. “Ele é um homem santo, não assiste televisão e não quer popularidade. Ele é extremamente amável e um profeta de coisas místicas. Mas ele gostou do resultado. Para ele, foi importante contar a sua história e também resgatar com dignidade uma região em um momento proibido por causa da repressão da ditadura. Ele sofreu tortura de vários órgãos oficiais.
O espetáculo, que é um cortejo que fala sobre memória e as transformações ocasionadas pelo progresso, foi concebido a partir de histórias reais colhidas em cidades impactadas pela construção da usina hidrelétrica de Ilha Solteira.
A dramaturgia, da jornalista Graziela Delalibera em parceria com Fagner Rodrigues, fala da relação entre terra e propriedade, historicamente marcada por desigualdades e conflitos em todo o mundo. Para a produção da peça, o grupo pesquisou sobre a construção da hidrelétrica, a submersão da cidade de Rubineia, e o Exército da Força Divina, criado por Jacintho, que, no palco, é vivido pelo ator Glauco Garcia.
No ano passado, o líder religioso recebeu a trupe da Cênica em sua casa extremamente humilde para contar suas histórias de resistência. Apenas três integrantes do grupo puderam participar – Rodrigues, Garcia e Simone Moerdaui -, além da produtora cultural Claudia Borges, de Santa Fé, que auxiliou no trabalho de pesquisa. “Falar com ele pessoalmente foi encantador. Descobrimos que nossa região é rica em histórias e a gente não se dá conta”, afirma Rodrigues.