Produções simbólicas
Reproduzo a seguir um trecho de uma entrevista que a Folha de São Paulo fez com João Santana, o marqueteiro que cuidou da campanha para a reeleição de Lula em 2006. É uma ótima oportunidade para refletir sobre como essa turma manipula as informações e usa a imprensa como ferramenta para seus objetivos eleitorais:
FOLHA – Como foi definida a abordagem a respeito do tema das privatizações?
JOÃO SANTANA – (…) Nós tínhamos alinhado alguns dos temas de intensa fragilidade e de imensa comoção política. Estava em primeiro lugar a privatização. Não usamos no primeiro turno porque não houve necessidade.
FOLHA – A forma como o assunto foi usado não se prestou a deseducar o eleitor? Propagou-se a noção de que a privatização em si é algo ruim…
SANTANA – Foi deseducativo de acordo com determinado ideário. Para o “consenso de Washington”, sim. No Brasil, para alguns setores, revigorou-se um sentimento cívico. Não faço juízo de valor, mas o fato é que a privatização se apresenta no imaginário brasileiro com uma série de emoções políticas. (…) Primeiro, há um eixo cívico-épico-estatizante que vem de Getúlio Vargas, com a campanha “o petróleo é nosso”. O outro eixo são as “tramas obscuras”. Não quero questionar como foram feitas as privatizações no governo FHC, mas o fato é que ficou, na cabeça das pessoas, como se algo obscuro tivesse ocorrido. Foi erro de comunicação do governo FHC, que poderia ter vendido o benefício das privatizações de maneira mais clara. No caso da telefonia, teve um sucesso fabuloso. As pessoas estão aí usando os telefones.
FOLHA – Não é desonesto se beneficiar de uma idéia geral que vigora na sociedade? Algo que possivelmente o próprio presidente da República sabe que não é a verdade completa?
SANTANA – Não. Eu trabalho com o imaginário da população. Em uma campanha, nós trabalhamos com produções simbólicas. Não considero que exista aí desonestidade, pois o tema foi, pelo menos, discutido. É bom que a população fale e reflita sobre esses temas. No primeiro turno, analisando as pesquisas, eu vi que essa discussão poderia ser retomada. Enxerguei ali um “monstro vivo” que poderia ser jogado.
FOLHA – Mas, se foi apenas uma tática para encurralar o adversário, fica então reforçada a tese de que houve certa desonestidade intelectual. Ou, para usar a expressão do candidato do PSDB, uma “mentirobrás”?
SANTANA – Não é bem assim. O presidente não foi reeleito por causa da polêmica sobre privatização. O fato é que o adversário teve a chance de responder, mas não o fez. Tivesse ele uma resposta pronta, objetiva, o impacto teria sido reduzido. Alckmin poderia mostrar objetivamente o uso de telefones, de computadores, de internet.
Viu só? Como é fácil trabalhar as palavras e dar outro nome às “mentiras”? Quando não temos referências políticas e culturais que nos inspirem confiança, nossa visão da realidade passa a ser determinada pelos profissionais de vendas, a maioria deles focada em técnicas para trocar produtos (promessas) pelo nosso dinheiro (votos) sem preocupação com as questões morais que envolvem essa troca. Sem referências acreditamos nas produções simbólicas, ouvimos a música que o vendedor quer, usamos a roupa que o vendedor quer, lemos o livro que o vendedor quer. E elegemos o político que o vendedor quer.
Este artigo foi publicado originalmente em 2006 e está em meu livro NÓIS…QUI INVERTEMO AS COISA. Republico-o todo ano de eleição, pois não vence o prazo de validade.
E isso é triste.