O preço da liberdade
Larry Flynt é um editor norte-americano, criador da Hustler, revista masculina que desde que nasceu, no início dos anos 70, ficou célebre pelos excessos na linguagem pornográfica, impertinente e mal educada, uma agressão à moral e aos bons costumes da sociedade. A Hustler rendeu a Larry Flynt muita dor de cabeça. Ele foi perseguido por gente que se julgou ultrajada e pela justiça, sofrendo em 1978 um atentado que o deixou paraplégico.
No filme O Povo Contra Larry Flynt, o ator Edward Norton interpreta o advogado de Flynt, Alan L. Isaacman, reproduzindo trechos de sua argumentação em julgamentos ao longo dos anos. Um desses trechos cai como uma luva para o momento que vivemos no Brasil:
“Estamos discutindo uma questão de gosto, não de Lei. E é inútil discutir gosto – muito menos nos tribunais. (…) Na verdade, tudo o que esta discussão faz é permitir a punição de discursos impopulares (…) – e estes são vitais para a saúde da nação. Não estou tentando convencê-los de que deveriam gostar do que Larry Flynt faz. Eu não gosto do que ele faz. Mas o que eu gosto é de viver num país onde você e eu podemos tomar esta decisão por nós mesmos. Eu gosto de viver num país no qual eu possa pegar a revista Hustler, lê-la se quiser ou atirá-la no lixo se acho que ali é seu lugar. Ou não comprá-la. Gosto de ter esse direito, me importo com ele. E vocês deveriam se importar com ele também, porque vivemos num país livre. Dizemos muito isso, mas às vezes nos esquecemos do que significa. Vivemos num país livre. Esta é uma ideia poderosa, é um jeito maravilhoso de se viver. Mas há um preço para esta liberdade, que é, às vezes, ter que tolerar coisas das quais não gostamos necessariamente.
Se começarmos a cercar com paredes aquilo que alguns de nós julgam como sendo obsceno, acordaremos um dia e perceberemos que surgiram paredes em lugares que jamais esperaríamos que surgissem. E aí não poderemos ver ou fazer nada. E isto não é liberdade”.
Que tal?
O que define uma democracia não é a prevalência da vontade da maioria, mas a liberdade de poder dizer “não” das minorias.
O que define uma democracia é a liberdade que você tem de dizer o que quiser, quando quiser e como quiser, assumindo a responsabilidade pelo que diz.
Aceitar que alguém exponha uma opinião contrária à sua, por mais absurda que você a julgue, é regra da democracia. Quando você não aceita que a pessoa exponha a opinião, você não é um democrata. Entenda bem, não é que você deva concordar com a opinião e sim aceitar que ela possa ser exposta.
Conviver com quem pensa diferente é o grande teste para um democrata, mas isso é difícil, sabe? A gente se irrita e rapidamente começa a arquitetar formas de se livrar do pentelho que nos enche o saco. E esse conceito de “se livrar” é muito abrangente, vai de um fingir que concorda só para ele parar de encher o saco ou invadir a sala de aula para impedir o professor de falar, até um “deletar”, que pode ser virtual ou real…
Neste Brasil esculhambado, com tentativas de censura para todo lado, estamos saindo da fase do extermínio virtual para o real.
A primeira a ser deletada será a liberdade de seu inimigo.
Em seguida, a sua.
Azar nosso.