O DRIBLE NA CENSURA
Os Festivais de MPB eram espetáculos nacionais e os poetas davam dribles na censura, através do uso de palavras e termos dúbios e ambíguos ou polissêmicos.
Nos anos 80, quando participava dos festivais da MPB realizados em Santa Fé do Sul, organizados por Edinho Araújo, então prefeito, e a respeito inclusive já escrevi um artigo nessa coluna.
Meu primo Marcos Lacerda, filho do tio João Careca, ao lê-lo me lembrou da “censura” de minha música que aqui conto.
Marcos, meu primo, o saudoso Poletinho, o Mike, a Mirlei, a Iara, o Marquinhos Boracini, a Tereza, a Silvana, o Toninho, a Rosi Petini e diversas pessoas de Três Fronteiras se reuniram do Bar “Esquinão”, em Três Fronteiras, do Valdir, e sob coordenação do saudoso Bai, irmão do Bili, e que o Marcos iria gravar a música, em fita cassete, no momento da transmissão do festival.
Feita a apresentação pela Bia e meu irmão Gegê, nos dirigimos ao mencionado bar e, ao “tocar a fita”, nada de gravação, nenhuma voz.
Confusão geral. Aí, eu estudante de Direito, me dirigi, durante a semana, ao escritório do meu amigo Dr. Alcides, pranteado advogado, para esclarecimentos.
Antes, deixa eu esclarecer: a Ditadura Militar de 64 ainda imperava e minha música que fazia homenagem aos presos políticos e mortos pela ditadura de maneira direta (eu não sabia driblar como faziam os poetas nacionais). Era assim parte da letra, já na introdução: “Essa música é uma homenagem aos presos políticos da Amárica Latina que não podem gozar de qualquer anistia, por mais ampla que seja, mas que ressuscitam seus pensamentos em nossa consciência”.
Alcides me recebeu e esclareceu o que se sucedeu… A ideia inicial era a “censura” da música, mas o Dr. Alcides Silva, que era procurador da prefeitura local e que também assessorava gratuitamente a Rádio Santa Fé, à época que era o saudoso Arlindo Sutto o diretor, percebeu que minha música iria dar “problema” e o genial Alcides Silva orientou, sinteticamente: “vamos deixá-la participar do festival. Censura é coisa de milico, mas não vai ser retransmitida no momento de sua exibição, pela Rádio Santa Fé”, e assim foi feito, participamos do festival, mas sem retransmissão.
Alcides deu um drible na ditadura, possibilitando nossa participação, pois sequer encaminhou à época a letra da música ao órgão censor, o que era uma obrigação para não causar prejuízo ao aos organizadores dos festivais e a prefeitura.
Assim, de uma inteligência fulgurante, Dr. Alcides soube evitar consequências desastrosas à emissora, ao orientar que não houvesse a transmissão, no momento de nossa apresentação e assim houve a possibilidade de nossa participação no festival. Pena que não registramos historicamente nossa participação, mas valeu.
Alcides nunca foi afeito ao futebol como jogador, mas fez um gol de placa, driblando a censura.