A Morte do Palhaço: o Espelho da Nossa Falência Ética

Publicado em 18/10/2025 00:10

Solange das Flores Nascimento (Sol Flores) – Psicóloga psicanalista, atriz e diretora profissional e pós graduada em metodologia do ensino

Há quem acredite que o palhaço morre apenas quando o coração para de bater. Mas, às vezes, a morte acontece antes, no instante em que os olhos dos outros já não o veem.
O velho palhaço, esquecido nas calçadas, não é apenas um personagem. Ele é um símbolo. Representa o riso que o mundo abandonou, a empatia que a pressa matou,
o respeito que virou lembrança.
A cada olhar desviado, a cada indiferença, um pequeno funeral acontece, silencioso, diário, invisível. Morre ali o que tínhamos de mais humano: a capacidade de se comover com o outro.
Vivemos tempos em que a dor alheia é “conteúdo”, a miséria é “estatística”,
a solidão é “falta de foco”. E o palhaço, esse homem que nasceu pra despertar alegria,
torna-se metáfora de um mundo que esqueceu o valor do afeto.
Sua morte na rua, anônima e fria, é o retrato do que estamos nos tornando: sociedades que celebram o sucesso e enterram o fracasso sem velório. O que perece com ele não é apenas um corpo, mas uma ideia, a ideia de que todos merecem ser vistos.
A morte do palhaço é a morte da ética. A morte do respeito. A morte da delicadeza.
Não é ele que some, somos nós que desaparecemos por dentro.
Talvez ainda haja tempo. Talvez possamos recolher o nariz vermelho caído na calçada e lembrar que a alegria é também um ato de compaixão. Talvez o riso volte a ser ponte, e não ruído. Mas, para isso, é preciso olhar de novo. Ver o outro.
Reconhecer o humano que ainda insiste em respirar embaixo da maquiagem gasta da civilização.
Enquanto isso, o velho palhaço dorme, e o mundo segue, sem notar que está rindo cada vez menos, porque já não sabe mais por que deveria chorar.

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