Os Sonhos que Apodrecem

Solange das Flores Nascimento (Sol Flores) – Psicóloga psicanalista, atriz e diretora profissional e pós graduada em metodologia do ensino
Há sonhos que nascem com o brilho de um holofote. São fortes, coloridos, cheiram a novidade, a coragem, a futuro. Mas o tempo passa… E quando a coragem não vem, eles começam a adoecer.
Sonho parado apodrece. Vai criando mofo de desculpas, cheiro de medo, gosto de amargura. O coração, que antes batia acelerado de esperança, começa a bater devagar, pesado, cansado, sem melodia.
A psicologia explica: o que não se realiza vira sintoma. Vira angústia, vira insônia, vira dor no peito. O corpo sente o que a alma cala. E o que poderia ser um voo, vira pedra.
A arte sabe disso. Ela nasce do mesmo lugar que o sonho: o desejo de existir em cores, em som, em forma. Mas quando o artista interno se cala, tudo desbota. A vida perde textura, os dias ficam iguais, e a alma se acostuma com o cinza.
O ser humano tem um talento cruel: acostumar-se com a falta. Fica na zona de conforto como quem se enrosca num cobertor velho, quente, mas fedendo a estagnação.
E lá dentro, bem no fundo, o sonho grita. Grita pra sair, pra nascer, pra ser o que sempre quis ser. Mas o medo é um carcereiro paciente.
O tempo vai passando, e o sonho vai mudando de forma. Primeiro vira espera. Depois vira lamento. Depois, saudade do que nunca aconteceu.
E há um dia em que ele morre de vez. Morre sem barulho, sem velório, morre dentro da pessoa, escondido. Só deixa um cheiro agridoce no peito, uma mistura de arrependimento e lembrança.
E é aí que nasce a tristeza mais profunda: aquela de quem ainda está vivo, mas já deixou de tentar.
A psicologia diz que toda mudança começa no instante em que a dor de ficar parado fica maior que o medo de seguir. E a arte confirma: só quem enfrenta o escuro descobre o próprio brilho.
A vida não espera. E o sonho que você enterra hoje, amanhã será o fantasma que vai te assombrar em silêncio, sussurrando o que poderia ter sido.
Por isso, enquanto houver um sopro, uma faísca, um traço, um gesto, realize. Mesmo tremendo. Mesmo tarde. Mesmo com medo.
Porque não existe nada mais triste do que abrir o peito no fim da vida e sentir o cheiro azedo dos sonhos que apodreceram lá dentro, gritando, tarde demais,
que tudo o que faltou foi coragem de começar.

