A esquizofrenia ainda é vista com ‘maus olhos’ pela sociedade
Por Lucas Machado
Dentre as inúmeras doenças psicológicas e psiquiátricas que existem na atualidade, uma delas é a esquizofrenia.
É um transtorno mental complexo que dificulta na distinção entre as experiências reais e imaginárias, interfere no pensamento lógico, nas respostas emocionais normais e comportamento esperado em situações sociais.
Ao contrário do que a maioria das pessoas pensa, a esquizofrenia não é um distúrbio de múltiplas personalidades. É uma doença crônica, complexa e que exige tratamento por toda a vida.
Para entender mais sobre a questão, a reportagem de O Jornal entrevistou uma moradora de Santa Fé, que preferiu não se identificar, que tem um filho de 29 anos, que é esquizofrênico.
Ela contou que tudo iniciou com seu filho pedindo ajuda, pois ele mesmo achava que não estava normal. “Ele começou a ver coisas subliminares, sobrenaturais. Pediu ajuda por volta dos 17, 18 anos. Foi ao primeiro psiquiatra e foi diagnosticado primeiramente com bipolaridade. Ele era normal, sempre foi muito inteligente. Na época, foram receitados remédios para bipolaridade, anti-psicóticos. Minha família não aceitou, achou que ele não tinha que tomar os remédios”, contou ela.
A santafessulense relatou também que o filho chegou a usar drogas, e ingeria bebidas alcoólicas. “Ele já tinha a propensão a ter esquizofrenia, por ter casos na família, e a doença poderia vir a desenvolver quando tivesse com 60, 80 anos, mas poderia se desenvolver mais cedo caso tivesse um problema sério (psicológico) durante sua vida. Usando drogas ou ingerindo álcool, a doença também pode se desenvolver mais cedo”, disse.
Ela ressaltou que após o primeiro surto, passado um tempo, seu filho começou a ver coisas irreais, e então foi consultado por um psiquiatra e começou a utilizar medicamentos.
“O psiquiatra sempre falou que o caso dele não era dependência química, e que não adiantava interná-lo em uma clínica para dependentes químicos, mas, mesmo assim, a família o fez. Sua primeira internação foi com 18 anos, em uma clínica em Catanduva”, relatou a mãe.
Posteriormente ele teve algumas internações no Bezerra de Menezes, em Rio Preto, e ainda no Instituto Bairral, em Itapira.
“Em algumas das internações eles o diagnosticam com esquizofrenia. Na família do pai dele há casos de esquizofrenia, e, na minha, casos de bipolaridade. A doença é hereditária. Após umas oito internações no Bairral, hoje os médicos já o descrevem com um discurso pobre, pois quando ele vai tentar conversar ou explicar as coisas, não há nexo. Quando ele surta, ele diz que lê pensamento, que é deus e outras coisas”.
Sua última internação terminou em fevereiro deste ano, e, hoje, seu filho está em casa. “Eu vou levando da maneira que posso, mas manter um equilíbrio se torna muito difícil. Ele não o fato de possuir qualquer doença, e, pra ele, ele é normal. Chegou a entrar em depressão. Ele estava muito bem enquanto estava tomando seus remédios. Eu tinha que enganá-lo, colocar em meio a outros remédios, mas ele descobriu”, disse.
Ela contou também que seu filho é solteiro, e que, embora já tenha tido um relacionamento, ele se isola muito, não tem amigos, e vive sempre sozinho em seu quarto.
Emocionada, a moradora de Santa Fé relata que não desiste de seu filho. “Não é fácil lidar com isso. Às vezes eu ‘saio do sério’, mesmo sabendo que não adianta falar muita coisa. Às vezes dou bronca, me arrependo e peço perdão. É muito difícil lidar com isso, é um sofrimento. Tenho a sorte por ele ser uma pessoa do bem, calma e bondosa. Toda vez que ele surta ele se vira contra mim. Jamais esperava que ele fosse desencadear algo nesse sentido, e peço muito a Deus pra tirar ele dessa. Era uma pessoa normal, muito inteligente, sempre foi o primeiro aluno na sala, tinha muitos amigos. Peço muito a Deus e não desisto dele jamais“, finalizou.
De acordo com a médica psiquiatra Graziella Plastina Chaves Ribeiro, a esquizofrenia é uma doença mental crônica que se manifesta na adolescência ou início da idade adulta. Sua frequência na população em geral é da ordem de 1 para cada 100 pessoas, havendo cerca de 40 casos novos para cada 100.000 habitantes por ano.
No Brasil, estima-se que há cerca de 1,6 milhão de esquizofrênicos, e a cada ano cerca de 50.000 pessoas manifestam a doença pela primeira vez. Ela atinge em igual proporção homens e mulheres, em geral inicia-se mais cedo no homem, por volta dos 20-25 anos de idade, e, na mulher, por volta dos 25-30 anos.
Ainda segundo a psiquiatra, a esquizofrenia apresenta várias manifestações, afetando diversas áreas do funcionamento psíquico. Os principais sintomas são delírios, ou ideias falsas, das quais o paciente tem convicção absoluta; alucinações, que são percepções falsas dos órgãos dos sentidos, sendo que as mais comuns na esquizofrenia são as auditivas, em forma de vozes; alterações do pensamento, quando as ideias podem se tornar confusas, desorganizadas ou desconexas, tornando o discurso do paciente difícil de compreender; alterações da afetividade, quando há uma perda da capacidade de reagir emocionalmente às circunstancias, ficando indiferente e sem expressão afetiva e a diminuição da motivação, ou seja, o paciente perde a vontade, fica desanimado e apático, não sendo mais capaz de enfrentar as tarefas do dia a dia. Quase não conversa, fica isolado e retraído socialmente.
“Outros sintomas, como dificuldade de concentração, alterações da motricidade, desconfiança excessiva, indiferença, podem aparecer na esquizofrenia. Dependendo da maneira como os sintomas se agrupam, é possível caracterizar os diferentes subtipos da doença. A esquizofrenia evolui geralmente em episódios agudos onde aparecem os vários sintomas acima descritos, principalmente delírios e alucinações, intercalados por períodos de remissão, com poucos sintomas manifestos”, disse ela.
Segundo Graziella, não se sabe quais são as causas da esquizofrenia, e a hereditariedade tem uma importância relativa, pois sabe-se que parentes de primeiro grau de um esquizofrênico tem chances maior de desenvolver a doença do que as pessoas em geral. “Por outro lado, não se sabe o modo de transmissão genética da esquizofrenia. Fatores ambientais, como, por exemplo, complicações da gravidez e do parto, infecções, entre outros, que possam alterar o desenvolvimento do sistema nervoso no período de gestação, parecem ter importância na doença. Estudos feitos com métodos modernos de imagem, como tomografia computadorizada e ressonância magnética, mostram que alguns pacientes têm pequenas alterações cerebrais, com diminuição discreta do tamanho de algumas áreas do cérebro. Alterações bioquímicas dos neurotransmissores cerebrais, particularmente da dopamina, parecem estar implicados na doença. Sabemos que o uso de substâncias psicoativas, principalmente a maconha (mas não excluindo as outras), podem desencadear a ativação de genes e levar à manifestação da doença”, explicou.
O diagnóstico da esquizofrenia é feito pelo especialista a partir das manifestações da doença. De acordo com psiquiatra, não há nenhum tipo de exame de laboratório (exame de sangue, raios-X, tomografia, eletroencefalograma etc) que permita confirmar o diagnóstico da doença. “Muitas vezes o clínico solicita exames, mas estes servem apenas para excluir outras doenças que podem apresentar manifestações semelhantes à esquizofrenia. Quanto mais precoce for o diagnóstico, melhor o prognóstico da doença. Normalmente, o paciente apresenta características de personalidade, traços de comportamento, que sinalizam a doença e que, se percebidos a tempo, fazem com ele receba tratamento no tempo adequado. Isso melhora a evolução, permitindo tratamento precoce”.
O tratamento da esquizofrenia visa ao controle dos sintomas e a reintegração do paciente e requer duas abordagens, a medicamentosa e psicossocial.
A médica psiquiatra Graziella explicou que o tratamento medicamentoso é feito com remédios chamados antipsicóticos ou neurolépticos, que são utilizados na fase aguda da doença para aliviar os sintomas psicóticos, e também nos períodos entre as crises, para prevenir novas recaídas. “A maioria dos pacientes precisa utilizar a medicação ininterruptamente para não ter novas crises. Assim, o paciente deve submeter-se a avaliações médicas periódicas. O médico procura manter a medicação na menor dose possível para evitar recaídas e evitar eventuais efeitos colaterais. As abordagens psicossociais são necessárias para promover a reintegração do paciente à família e à sociedade. Devido ao fato de que alguns sintomas (principalmente apatia, desinteresse, isolamento social e outros) podem persistir mesmo após as crises, é necessário um planejamento individualizado de reabilitação do paciente. Os pacientes necessitam, em geral, de psicoterapia, terapia ocupacional, e outros procedimentos que visem ajudá-lo a lidar com mais facilidade com as dificuldades do dia a dia. Não existe cura para a doença, mas, com o diagnóstico precoce, podemos dar ao paciente a possibilidade de uma vida normal”, elucidou a especialista.
A médica relatou que os familiares são aliados importantíssimos no tratamento e na reintegração do paciente. “É importante que estejam orientados quanto à doença para que possam compreender os sintomas e as atitudes do paciente, evitando interpretações errôneas. As atitudes inadequadas dos familiares podem, muitas vezes, colaborar para a piora clínica do mesmo. O impacto inicial da notícia de que alguém da família tem esquizofrenia é bastante doloroso. Como a esquizofrenia é uma doença pouco conhecida e sujeita a muita desinformação, as pessoas se sentem perplexas e confusas”.
Ela disse também que frequentemente, diante das atitudes excêntricas dos pacientes, os familiares reagem também com atitudes inadequadas, perpetuando um circulo vicioso difícil de ser rompido. “Atitudes hostis, críticas e superproteção prejudicam o paciente. Apoio e compreensão são necessários para que ele possa ter uma vida independente e conviver satisfatoriamente com a doença. O transtorno afetivo bipolar é outra psicose grave que, muitas vezes, faz diagnóstico diferencial com esquizofrenia. Quando o paciente encontra-se em fase de mania com delírios, as duas doenças podem ser confundidas. Mas a evolução do quadro clínico e a própria reação ao tratamento vão levar o especialista a diferenciá-las”, finalizou Graziella Ribeiro.