PESADELO (O Peso do Metal)
Novo escândalo de corrupção derruba ministros na Ucrânia. (Fonte: https://www.dw.com).
O Primeiro-Ministro caminhava. Seus sapatos de couro italiano, lustrosos e caros, evitavam com um gingado quase coreográfico as poças de sangue e a fuligem que cobriam o que um dia fora uma rua. Não era uma caminhada cerimonial; era uma inspeção de danos, exigida pelo protocolo, para as câmeras que o seguiam com a reverência devida ao cargo.
O ar tinha o cheiro acre da pólvora e da morte recente. À sua volta, o cenário era de devastação absoluta. Uma fileira de corpos, cobertos por panos sujos, jazia na calçada. Eram crianças e velhos, os que não tiveram a agilidade ou a força para fugir do bombardeio da madrugada. A guerra, essa velha conhecida, cobrava seu preço mais cruel dos inocentes.
Ele parou por um instante, talvez para ajustar o paletó de linho. Um fotógrafo ágil capturou o momento: o líder, a expressão grave, o horror ao fundo. Uma imagem poderosa para o jornal do dia seguinte, para as manchetes sobre a “dor do líder” e a “determinação inabalável”.
Mas, enquanto seu rosto ensaiava a compunção, sua mente viajava por números. Não o número de mortos – esse dado era para os assessores de imprensa. Ele pensava nos milhões. Nos milhões que haviam sido desviados dos fundos de defesa. Aquele contrato superfaturado para a compra de equipamentos médicos que nunca chegaram, o esquema das rações de combate de baixa qualidade, os subornos disfarçados de “financiamento de campanha”.
Cada passo que dava sobre os escombros era pesado, um lembrete físico da destruição que o rodeava. O choro abafado de uma mulher era um som de luto que pairava no ar. Os corpos estendidos no chão eram vidas ceifadas, uma tragédia silenciosa.
Ergueu o queixo, o sol da manhã refletindo em seus óculos escuros. Sentiu o peso do momento, não das medalhas que ostentava no peito, mas da responsabilidade que a guerra trazia consigo. A guerra era um inferno para o povo.
O Primeiro-Ministro ajustou a gravata, sorriu brevemente para as câmeras e entrou no veículo blindado. O dever estava cumprido. A crônica daquele dia seria escrita com a tinta da dor e as letras da perda.
Pensei que fosse um pesadelo. Mas é a história nua e crua na Ucrânia.

