A Cigarra e a Formiga
Era uma vez uma formiga que trabalhava duro no sol escaldante de verão, construindo sua toca e acumulando suprimentos para o longo inverno que se aproximava.
A cigarra pensou: – Que idiota!
E passou o verão dando gargalhadas, cantando e dançando como nunca. Ao chegar o inverno, a cigarra, tremendo de frio, armou uma barraca de lona na entrada da toca da formiga e convocou toda a imprensa para uma entrevista e exigiu explicações:
– Por que é permitida aos artrópodes, uma toca aquecida e boa alimentação, enquanto as hemipteras estão expostas ao frio e morrendo de fome?
Todos os órgãos de imprensa compareceram à entrevista, tiraram muitas fotos da cigarra trêmula de frio e com sinais de desnutrição.
As imagens dramáticas na televisão mostraram um inseto em deplorável condição, sentado num banquinho debaixo de uma barraca de plástico preto e mais adiante mostraram a formiga em sua toca confortável, com uma mesa farta e variada.
O noticiário de uma emissora apresentou um quadro de cinco minutos, mostrando a cigarra esfomeada, cambaleante e moribunda. O telespectador global fica perplexo e chocado com o contraste social.
A BBC de Londres manda ao Brasil uma equipe para fazer uma reportagem especial a ser distribuída em rede para toda a Europa. A CBS nos EUA interrompe uma entrevista coletiva sobre a guerra no Iraque, antes da entrega do Oscar, para mostrar como anda a cidadania das cigarras brasileiras.
A notícia recebe apoio do Congresso Nacional que cogita uma Emenda Constitucional que aumente os impostos para as formigas e ainda obriga as comunidades a promover a integração social das cigarras.
A família das Formicidae, multada por supostamente não entregar sua quota de folhas verdes ao Ministério das Folhas e não tendo como pagar todos os impostos e contribuições que foram apurados retroativamente, pede falência.
A Polícia Federal instala uma comissão de inquérito para investigar a falência fraudulenta de inúmeras formigas abastadas. O Ministério das Folhas nomeia uma comissão de auditores fiscais suspeitando de que as formigas tenham desviado recursos realizando lavagem de verdinhas.
A cigarra decide invadir a toca da formiga e lá acampa.
A formiga pede ajuda da polícia civil e esta informa que não dispõe de efetivo para atender ocorrências desta natureza e que tambZém por orientação do Secretário de Segurança que deseja evitar confronto com os “sem tocas”. A formiga entra na justiça para obter a reintegração de posse, mas é negado, o juiz invocou um novo ramo do direito, “o econômico” e sentencia que a formiga não provou a produtividade da toca.
O Ministério da Reforma Agrária desapropria a toca da formiga, por não cumprir sua função social e a entrega à friorenta e desnutrida cigarra.
O Ministério da Justiça examinando folhas do Jornal Última Hora, descobre que a cigarra foi presa no passado, por promover algumas greves, assaltos e sequestros (crimes políticos), e consegue sua inclusão no grupo das perseguidas políticas com direito e indenização federal e pensão vitalícia.
Agora começa novamente o verão, as formigas trabalham e as cigarras cantam e dançam…
Moral da estória: “E por acaso tem?”
E não é difícil perceber que nada mudou. Continuamos pelo desprezo da meritocracia, com a glamorização do oportunismo, o desrespeito à propriedade privada, a irresponsabilidade da mídia, os roubos contra a justa riqueza, a corrupção institucionalizada e os “interesses sociais” escusos a cima da justiça. Movidos principalmente pela inveja, pela incompetência, tais atos revelam o tamanho da inversão moral e ética na atualidade brasileira.