A fábula do leão e da palanca
Este é um conto tradicional africano que se passa numa savana extensa reinada durante várias décadas um leão feroz. Um dia os animais revoltaram-se e expulsaram o ditador. Durante os primeiros tempos, tudo correu bem. Até que houve um ano em que as chuvas se atrasaram e o capim começou a faltar.
“Antigamente é que era bom” — comentou uma palanca velha, enquanto roía uma raiz: “Antigamente, no tempo do Rei Leão, a gente apanhava, mas a gente comia”.
Um elefante lembrou, que no tempo do Rei Leão, as chuvas também se atrasavam, e o capim escasseava. A antílope encolheu os ombros magros e continuou a protestar: “Antigamente é que era bom!”
A partir daí a palanca passou a responder com aquela frase a qualquer coisa que lhe perguntassem: “Como vai a senhora?”/Antigamente é que era bom!” “Você gosta de música?”/Antigamente é que era bom!” “O que você pensa da situação do rio?”/”Antigamente é que era bom!” A frase espalhou-se como um mantra. Até jovens gazelas, nascidas muito depois da queda do Rei Leão, começaram a defender o regresso da ditadura: “Antigamente é que era bom. Queremos o Rei Leão. A gente apanha, mas a gente gosta”.
A notícia de que havia bichos na savana clamando pelo seu regresso chegou aos ouvidos do Rei Leão. O velho ditador riu-se muito, dando grandes patadas no forte peito, rebolando-se na poeira; riu-se até lhe virem lágrimas aos olhos: “É lá possível! Não podem ser tão estúpidos!” Decidiu então regressar à savana disfarçado de hipopótamo. Precisava confirmar com os próprios olhos, com os próprios ouvidos, a veracidade da notícia
O Rei Leão continuou o seu caminho e depressa encontrou a palanca, a qual, por essa altura, já liderava um pequeno grupo de descontentes.
“- Afinal, o que querem vocês?” — perguntou-lhes o Rei Leão. A Palanca, que não o reconheceu, tão bem disfarçado estava ele, resfolegou irritada: “Ordem! Autoridade! Antigamente é que era bom!” Uma das gazelas retorquiu que antigamente o capim era mais verde e mais macio. Outra, muito excitada, proclamou que não só queriam o regresso do Rei Leão, mas também dos caçadores.
“- Dos caçadores?!” — espantou-se o Rei Leão. Não há nada tão certo quanto a estupidez, voltou a pensar, nem tão sólido, nem tão imenso. “Os caçadores são fofos!” — gritou a gazela, em êxtase. “São fofos! São fofos!” — gritaram as outras.
Aquilo foi a gota d’água. O Rei Leão arrancou a fantasia de hipopótamo, derrubou a palanca com uma forte patada e começou a devorá-la. As gazelas bailavam em redor, cantando, “Ordem! Autoridade! O Rei Leão voltou! Viva o Rei Leão! Viva o Rei Leão!” “E agora?” — perguntou o Rei Leão à palanca, quando mais nada restava dela senão a cabeça e os curvos e imponentes cornos. — “Agora ainda acha que antigamente é que era bom?” “Sim, sim, majestade!” — confirmou a cabeça da Palanca, num murmúrio respeitoso. “Antigamente é que era bom!”
O Rei Leão afastou-se, sacudindo desesperado a vasta juba, e voltou para o exílio.
“- Pior do que ter inimigos inteligentes é ter aliados estúpidos” — explicou mais tarde aos filhos. — “Por outro lado, a carne dos estúpidos é tão gostosa quanto a dos inteligentes. Assim, se não conseguirem comer os vossos inimigos, comam os vossos aliados. O importante é comerem”.
Ainda hoje a cabeça da palanca pode ser vista, lá, na savana, a falar sozinha. Os bichos já nem se lembram muito bem do nome dela. Chamam-lhe Antigamente. Riem-se quando passam perto: “E aí, Antigamente?! Tudo bem?” E a cabeça da palanca responde, num tom lúgubre: “Antigamente… Antigamente…”