Ainda estamos aqui

Publicado em 12/04/2025 00:04

Como a história se repete. É coincidência, lei do retorno ou ironia do destino?
O filme “Ainda Estou Aqui” faz um mergulho em uma ferida nacional, a violência da ditadura militar, que acompanha de perto a história inspirada em um pai de família, Rubens Paiva, preso injustamente, só pelo fato de se expressar contra o sistema. É uma jornada cinematográfica que reproduz o Brasil da década de 1970, e a saga de sua mulher, Eunice, em busca da verdade e da justiça, enfrentando as consequências da repressão política. O período, que durou cerca de 20 anos, foi marcado por uma produção musical que também deixava claro o posicionamento de artistas contra o regime autoritário. Algumas canções ficaram marcadas como símbolos de resistência à ditadura.
Por exemplo, na música “Acorda amor”, composta por Chico Buarque, hoje não precisaria dizer que foi escrita por Julinho da Adelaide, um pseudônimo do cantor, só para fugir da censura. A urgência para despertar sua companheira é utilizada por metáforas e ironias para retratar o clima de opressão e medo vivido durante o período da ditadura militar no Brasil. Através de uma narrativa aparentemente simples, o eu lírico descreve um pesadelo que se confunde com a realidade, onde o medo da repressão é constante e a presença da ‘dura’ (termo usado para se referir à polícia da época) é uma ameaça iminente. A letra utiliza ainda o recurso de chamar o ‘ladrão’, uma inversão irônica, pois naquele contexto, o ladrão poderia ser interpretado como o próprio Estado que, através de seus agentes federais, invadia a privacidade e a liberdade dos cidadãos. A repetição do refrão ‘chame o ladrão’ reforça a ideia de que não há para quem pedir socorro, pois aqueles que deveriam proteger são os que ameaçam.
Em “Apesar de você”, música composta por Chico Buarque em 70, após seu exílio em Roma, passa pela censura porque o poeta Vinícius de Moraes defendeu que a letra da canção se tratava de uma briga de casal. Mas nas entrelinhas escondia metáforas como ‘apesar de você (ditador) amanhã há de ser outro dia’.
Em “O bêbado e a equilibrista”, os compositores João Bosco e Aldir Blanc recorreram a fatos como a queda do elevado Paulo de Frontin, no Rio de Janeiro ao dizer: ‘Caía a tarde feito um viaduto’ e o assassinato de Vladimir Herzog retratado na rima ‘Choram Marias e Clarices’ em alusão a Clarice Herzog, esposa do jornalista. A canção resume o sentimento daqueles que clamavam pela anistia aos exilados e a quem perdeu os direitos políticos. Foi gravada em 1979, no mesmo ano em que é assinada a Lei da Anistia e se tornou um hino daqueles tempos que extrapolou a época, convenhamos.

Última Edição