O boateiro

Publicado em 12/04/2024 00:04

Stanislaw Ponte Preta, pseudônimo de Sérgio Porto, escritor e jornalista, cronista único, pelo humor com que desmontava pela sátira, deboche, piadas e ridículo os policiais, militares golpistas e reacionários em geral da última ditadura brasileira.
“Quando aquele cavalheiro nervoso entrou no hospital dizendo ‘eu sou coronel, eu sou coronel’, o médico tirou o estetoscópio do ouvido e quis saber: ‘Fora esse, de que outro mal o senhor se queixa?’. É um dos exemplos de textos que criticava o regime militar de então.
Esta historinha — evidentemente fictícia — ocorreu em Recife, onde o número de boateiros, desde o movimento militar de 1º de abril, cresceu assustadoramente, embora Recife já fosse a cidade onde havia mais boateiro em todo o Brasil, segundo o testemunho de vários pernambucanos em badalações cariocas.
Diz que era um sujeito tão boateiro, que chegava a arrepiar. Onde houvesse um grupinho conversando, ele entrava na conversa e, em pouco tempo, estava informando: “Já prenderam o novo Presidente”, “Na Bahia os comunistas estão incendiando as igrejas”, “Mataram agorinha o Cardeal”, enfim, essas bossas.
O boateiro encheu tanto, que um coronel resolveu dar-lhe uma lição. Mandou prender o sujeito e, no quartel, levou-o de olhos vendados até um paredão de fuzilamento e berrou: Foooogo! Ouviu-se aquele barulho de tiros, e o boateiro caiu desmaiado. Sim, caiu desmaiado porque o coronel queria apenas dar-lhe um susto. Quando o boateiro acordou, na enfermaria do quartel, o coronel falou pra ele:
— Olhe, seu pilantra, isto foi apenas para lhe dar uma lição. Fica espalhando mais boato idiota por aí, que eu lhe mando prender outra vez e aí não vou fuzilar com bala de festim não.
Vai daí soltou o cara, que saiu meio escaldado pela rua e, logo na primeira esquina, encontrou uns conhecidos.
— Quais são as novidades? — perguntaram eles.
O boateiro ressabiado olhou pros lados, tomou um ar de cumplicidade e disse baixinho: — O nosso Exército está completamente sem munição.
Moral da história: No Brasil, tanto na ditadura como na democracia, a liberdade de expressão é relativa.

Última Edição