Receita de bolo

Publicado em 14/07/2023 00:07

Durante a ditadura militar, receitas de bolo apareciam entre notícias de jornal.
Elas eram usadas para cobrir espaços deixados por notícias censuradas pelos militares. Geralmente, denúncias de corrupção, de tortura, injustiça, assassinato. Como as notícias não chegavam ao povo, muita gente acreditava que o governo havia resolvido os problemas.
Por ironia do destino, as velhas mídias de hoje são coniventes com o regime atual e agora, nas redes sociais, esse estratagema da receita de bolo para denunciar a violência da ditadura está se tornando moda.
Buscando burlar a censura do regime militar, que tomou o poder em 1964, jornalistas começaram a inserir receitas de bolo subversivas nas páginas impressas.
O ano era 1968. O lugar, Brasil. Os militares tomaram o governo quase quatro anos antes e, nos últimos meses, a repressão ditatorial estava ficando mais forte.
Encontros de mais de três pessoas em lugares públicos eram considerados potencialmente políticos e, portanto, algo suspeito. Muitas cidades tinham toque de recolher. As pessoas eram presas regularmente por mostrar “tendências subversivas” sem nenhuma outra explicação. Qualquer música, livro, filme ou peça de teatro tinha que passar por um censor antes de ser lançado. Teve até um famoso compositor que mudava o nome para Julinho da Adelaide só para sua música não ser censurada.
Você abria um jornal numa página aleatória e, entre três matérias sobre notícias relativamente mundanas e um poema, tinha quatro receitas de bolo – o que parecia demais. Duas delas eram exatamente iguais. Uma delas terminava do nada, no meio das instruções. Outra pedia um quilo de sal.
Algo estava errado. Ou, pelo menos, era isso que a redação dos jornais passando por censura pesada queriam que você notasse – e por isso notícias consideradas inapropriadas para publicação pelo governo eram substituídas por trechos de “Os Lusíadas”, um poema português de 1500, de Camões e receitas de bolo de fubá com pinga 51 impossíveis de digerir.
Impossível mesmo é não dizer que a história se repete.

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