Seo Antônio
Seo Antônio lembra seo Domingos, de quem já falei em outra crônica. Aliás, para mim, ambos têm semelhanças com meu tio Otávio, de quem tenho lembranças esparsas, pois o conheci criança e faleceu há muito tempo. De comum, os três têm personalidades e características marcantes, pois são magros, altos, muito calmos, bons papos e são todos caipiras.
Seo Antônio é descendente de italianos e mora há mais de 60 anos na Estrada 15, pertinho da cidade de Três Fronteiras, no interior do Estado de São Paulo. Tudo começou quando numa padaria na vizinha Santa Fé do Sul, no meio de uma conversa sobre a boa e calma vida do interior, Faidiga, um amigo disse: “já que você gosta do mato, vou te levar para conhecer seo Antônio e a vendinha que ele toca lá na Estrada 15”. Foi amor à primeira vista: estrada de chão batido, uma calma enorme e umas belas e frondosas árvores com uns banquinhos que circundam duas mesas de pedra com bancos fixos de madeira. Ao fundo, uma vendinha pintada de cal amarelo com duas portas de madeira e interior iluminado com aquelas luzes amarelas aconchegantes.
Calmamente sentado na frente, sempre está o sorridente e tranquilo seo Antônio. Lugar absolutamente simples e com poucas opções, a vendinha fornece o básico para os sitiantes do local, tendo sempre uma boa cerveja gelada e uma pinga muito apreciada por todos. A “mágica” está nos papos e na conveniência partilhada com todos ao ouvir as inúmeras histórias que o seo Antônio conta com bastante calma e detalhes. Na primeira visita, após as apresentações formais, conhecemos um sitiante muito educado e bem-vestido, com chapelão, camisa de manga comprida (um hábito do interior) e que tinha um comportamento peculiar, pois fez várias ligações sempre dizendo “bença, mãe”. Tal comportamento chamava a atenção, pois o ineditismo reside no fato de que isso era um costume muito antigo no interior, mas que se perdeu no tempo. Depois de uns minutos de papo, esse educado senhor se despediu cortesmente, montou numa lindíssima mula e foi para seu sítio. Desde então, sempre perguntamos do “senhor bença, mãe”.
Quando retorno a Rubineia, vou sempre visitar o seo Antônio e me deliciar na sua venda. Com o tempo e sempre ouvindo as gostosas histórias contadas por ele, perguntei se conhecia o escritor Guimarães Rosa, pois eu via nele, no local e no seu jeito simples de ser, algumas semelhanças com os personagens desse brilhante escritor. “Perdão, Sebastião, mas não conheço esse senhor.” Ao explicar quem era, falei da simplicidade no jeito dele ser, da afetuosidade ao falar, da emoção nas histórias do homem do campo, do tempo alargado do interior, do falar baixo e ritmado, do olhar profundo, singelo e amigável que ele tem, da paz e carinho que externa, enfim. Ele sorriu ao ouvir algumas dessas qualidades e agradeceu, emendando sempre com uma nova história que guarda na fértil memória de seus quase 80 anos.
Nos contou a história de sua chegada ali, da sua esposa Olga Zacheo Scarabeli e de máquina de beneficiar arroz ali ao lado (agora desativada). E discorreu sobre os três acidentes graves que teve nos últimos tempos. Num deles, uma pequena serra abriu vários pontos na sua perna; noutro, uma escada se soltou e o atingiu na testa; e, em outro momento, tinha recebido um forte coice de uma vaca, quando a ordenhava. Na última, foi vítima do “piolho de capivara” que lhe mordeu parte do peito e braços. Nossa, pensei, quanta vitalidade e sorte, pois estava ali na nossa frente mostrando as marcas dos acidentes no seu magro e forte corpo. Sempre sorrindo, parecia querer dizer: “escapei de todas!!”.
Numa gostosa tarde, seo Antônio Scarabeli contou que morava a vida toda ali naquele pequeno sítio com a esposa que morreu anos atrás e hoje é nome do viaduto que corta a Rodovia Euclides da Cunha e que nos leva à querida Rubineia. Atrás da vendinha, mora com o filho Dimar, um moço de apelido Nenê e sua esposa Nadia, senhora que faz doces e queijos maravilhosos. Sempre com bom papo tomamos boas cervejinhas, experimentamos o vinho de raiz amarga Bertoni e nos despedimos quando começam a chegar os fregueses que animadamente ali jogam baralho.
Sempre saímos felizes certos de retornar par mais conversas gostosas com o simpático seo Antônio e seus familiares. Tomara.
O nosso escrito que homenageou o senhor Antônio na sua bela crônica só errou o número da estrada, que é a 12 e não a 15, mas aí seria muita precisão numérica cuja aptidão é dos matemáticos, não dos poetas ou cronistas.