VOTAR
“…Porque, numa democracia, o ato de votar representa o ato de FAZER O GOVERNO.
Pelo voto não se serve a um amigo, não se combate um inimigo, não se presta ato de obediência a um chefe, não se satisfaz uma simpatia. Pelo voto a gente escolhe, de maneira definitiva e irrecorrível, o indivíduo ou grupo de indivíduos que nos vão governar por determinado prazo de tempo. Escolhem-se pelo voto aqueles que vão modificar as leis velhas e fazer leis novas – e quão profundamente nos interessa essa manufatura de leis! A lei nos pode dar e nos pode tirar tudo, até o ar que se respira e a luz que nos alumia, até os sete palmos de terra da derradeira moradia.
Escolhemos igualmente pelo voto aqueles que nos vão cobrar impostos e, pior ainda, aqueles que irão estipular a quantidade desses impostos. Vejam como é grave a escolha desses “cobradores”…
….Escolhem-se nas eleições aqueles que têm direito de demitir e nomear funcionários, e presidir a existência de todo o organismo burocrático.
E agora um conselho final, que pode parecer um mau conselho, mas no fundo é muito honesto. Meu amigo e leitor, se você estiver comprometido a votar com alguém, se sofrer pressão de algum poderoso para sufragar este ou aquele candidato, não se preocupe. Não se prenda infantilmente a uma promessa arrancada à sua pobreza, à sua dependência ou à sua timidez. Lembre-se de que o voto é secreto. Se o obrigam a prometer, prometa. Se tem medo de dizer não, diga sim. O crime não é seu, mas de quem tenta violar a sua livre escolha. Se, do lado de fora, da seção eleitoral, você depende e tem medo, não se esqueça de que DENTRO DA CABINE INDEVASSÁVEL VOCÊ É UM HOMEM LIVRE. Falte com a palavra dada à força, e escute apenas a sua consciência. Palavras, o vento leva, mas a consciência não muda nunca, acompanha a gente até o inferno”.
Texto de Rachel de Queiroz (Foi tradutora, romancista, jornalista, dramaturga e considerada uma das maiores escritoras brasileiras. Primeira mulher a ingressar na Academia Brasileira de Letras). O texto foi publicado por Rachel de Queiroz na revista “O Cruzeiro” em 11 de janeiro de 1947. Mais de 60 anos após sua publicação, a reflexão ainda é válida nesses tempos de eleições.