Exercitando a sabedoria da dúvida
Durante essa semana, enquanto cursava um dos módulos da pós-graduação, li superficialmente no material escrito da aula sobre o método cartesiano de produção do conhecimento, ao qual o Poder Judiciário era densamente vinculado durante o “Estado Social” – um dos paradigmas do Direito Constitucional -, com a aspiração de produzir uma justiça mais objetiva, embora materializada.
Interessado na temática da aula, decidi aprofundar a leitura em outros materiais, especialmente acerca das “técnicas” de atuação do Judiciário no decorrer da história, entre elas a do método cartesiano.
Analisando então este método, criado pelo brilhante René Descartes, filósofo francês que é conhecido como o “fundador da filosofia moderna”, possui basicamente quatro regras, que podem ser resumidas como: a busca da evidência, a regra da análise, a regra da síntese e a regra da revisão completa.
O ponto que mais me chamou a atenção durante os estudos foi o primeiro pilar deste método, “a busca da evidência”, que era definida pelo filósofo francês como “não aceitar nenhuma coisa como verdadeira se não soubesse com evidência que ela era assim – isto é, consistia em evitar cuidadosamente a precipitação e a prevenção, e compreender em meus juízos apenas aquilo que se apresentava tão clara e distintamente a meu espírito que eu não tivesse nenhuma oportunidade de duvidar”.
Apesar da admitida influência que as teorias e criações de Descartes têm na educação e nas ciências até os dias de hoje, de modo geral, – principalmente na matemática, tendo sido o desenvolvedor do Sistema de Coordenadas Cartesianas, entre outros pontos –, é fato que se faz necessária uma releitura significativa do método cartesiano em relação a nossa realidade social e cultural da época atual.
Assim, se não levado em conta alguns possíveis “extremismos” que podem ser extraídos da teoria de Descartes, frisando o viés da atualidade que deve ser dado à mesma, acredito que este método é passível de aplicação direta, ainda que sumariamente no tocante a primeira regra, supracitada, nas relações humanas contemporâneas, sobretudo na nossa convivência social.
Neste mundo globalizado em que vivemos, onde as informações não são mais apenas disponibilizadas para a sociedade, mas “bombardeada” sobre ela, através dos mais variados canais de comunicação, a saída, possivelmente, seja aquela sugerida por Descartes: duvidar de tudo até que haja evidência em contrário.
Atualmente, não apenas as mídias jornalísticas escritas e faladas, mas, também as famigeradas redes sociais, possuem um poder quase que desmedido em “criar verdades”, “fabricar vilões”, ou “direcionar opiniões”, entre outras práticas.
Em razão deste poderio absoluto, torna-se difícil tanto propagar a ideia de que seja realizada uma filtragem segura da origem e veracidade das informações, quanto identificar as verdadeiras “demandas” de interesse da sociedade, uma vez que, como leciona o Dr Clóvis de Barros Filho, livre docente da USP – Universidade de São Paulo, a agenda dos meios de comunicação é que determina os “temas públicos”, sendo facilmente aceitável entender que, ao contrário do que se pensa, a opinião pública não é uma somatória de opiniões individuais, já que a primeira antecede a segunda, pois abastece o objeto – através das mídias – para que se possa ter uma opinião.
Deste modo, em face da dificuldade em se confiar nas informações que são lançadas sobre nós, o que certamente dificulta e, às vezes, impossibilita uma boa convivência social, já que somos surpreendidos – ou estamos predispostos a isso – com pessoas que constantemente acreditam e espalham inverdades ou opiniões “fabricadas”, sem ao menos se dar a chance de questionar se existe alguma evidência que ampare aquilo, a resposta ideal talvez seja, de fato, exercitar a dúvida, até que se prove o contrário.
A saída para algumas das problemáticas atuais está escrita há mais de quatrocentos anos, mas é tão pura e simples que qualquer um pode assimilar: primeiro a razão, somente depois a conclusão.
Exercite a sabedoria da dúvida.