Guardado
Ainda deitado, com o celular sobre o peito, fechou os olhos e soube o que viria pela frente.
Era hora de, mais uma vez, encaixotar sonhos e lembranças.
O processo seria doloroso, sabia, pois não era como colocar objetos que não se usa mais em algum canto para, quem sabe um dia, voltar a vê-los.
Quando chega a hora de trancar as lembranças nesse baú do esquecimento é necessário um quê de firmeza, que não se tem, e um resto de determinação, que precisa ser inventada.
Colocá-las por perto não basta, então é preciso cortar vínculos, arrancar pela raiz, mandar pra longe e apagar o máximo possível da vida e da mente.
Mas que ser humano tem tamanha capacidade de desapego?
Se for verdadeiro, com certeza nenhum.
Então iniciou mais uma vez aquilo, e aos poucos foi mandando embora, pedaço por pedaço, aquela pessoa que até então constituía o todo mais completo, esperado e desejado por ele.
Não era a primeira vez, mas, sem dúvida, era a pior.
É possível se desfazer de objetos, mensagens, fotos, e até mesmo lembranças e sonhos que se teve com alguém, mas, aquilo que se sentiu em sua companhia, o vazio que aquele abraço deixa, o silêncio daquela voz que se cala e o brilho daquele olhar que se apaga, não. É impossível se livrar disso.
Com o tempo, pode ser que ao ouvir o nome o coração acelere menos, ao vê-la andando pela rua a boca não seque, e o sorriso até salte receoso em resposta. Porém, a única certeza que se pode ter é que aquilo que se sentiu com esse alguém, nunca será apagado.
A memória do coração não sofre as ações do tempo.
Pensando nisso tudo, enquanto se livrava do que podia, encontrou uma carta que estava guardada. Admirou a letra, se emocionou com as palavras e reconheceu aquele sentimento.
Era o mesmo que, apesar de tudo, ainda havia em seu peito.
O mesmo que, apesar de tudo, não estava indo para longe com todo o resto.
Então decidiu que aquele amor permaneceria ali, guardado nas letras daquela carta, e no lugar mais seguro que ele conhecia. Dentro do seu coração.