Insegurança jurídica, apenas história (in)verídica(?)

Publicado em 13/02/2016 00:02

A porta da sala se abre e a secretária direciona a humilde senhora para a cadeira em frente à mesa do advogado.
Abre o causídico um largo sorriso de quem vê alguém para, certamente, ajudar – e, fatalmente, é claro, ganhar o pão de cada dia – com alguma questão jurídica.
Cumprimentos a parte, a conversa se inicia:
– Eu tenho uns problemas para resolver, doutor… – diz a senhora.
A mente do advogado automaticamente converte a palavra “problemas” em “ações”, mas ele tenta disfarçar seu animus para seguir ouvindo.
– Fui receber minha aposentadoria dois meses atrás e vi que estava faltando uns trinta reais. Achei estranho, então tirei um extrato e pedi para minha filha ver o que era. Ela me disse que eram cerca de dez reais que descontavam de um tal “seguro protegido” e vinte reais de um título de capitalização, mas, como eu nunca contratei nada disso, achei que iam parar. Só que já é o terceiro mês consecutivo que estão descontando…
“Liminar…cobrança indevida…repetição de indébito. Danos morais?”, raciocina silenciosamente o advogado, enquanto a senhora prossegue:
– …então, eu resolvi ligar na central do banco. Agora estou com esses oito protocolos aqui. Acontece que metade das ligações caíram enquanto me transferiam para outro setor, três eu esperei uma hora para falar com uma tal “supervisora” que não me atendeu, e a última eu aguardei mais três horas até dizerem que não podiam fazer nada…
“Danos morais?!”, questiona retoricamente os olhos do advogado diante dos fatos e daqueles números de protocolo gigantescos num rascunho. A senhora continua:
– …aí então, doutor, tive que ir à agência tentar resolver lá dentro. Acontece que peguei a senha de atendimento de uma daquelas mesas e tive que esperar duas horas e meia para ser atendida, e ainda não souberam me responder o que estava acontecendo…
“DANOS MORAIS!”, grita a mente jurídica com a mesma convicção que havia gritado o gol de Paolo Guerrero na final do Mundial de Clubes de 2012.
Enquanto a mulher ensaia a reclamações de pouca relevância do ponto de vista técnico, o advogado, que já fechava em sua mente os pedidos da exordial, sente a névoa de uma infeliz lembrança tomar sua mente.
Quando, enfim, preenchido pela realidade, prepara-se para sentenciar de sobreaviso e cautela as esperanças daquela senhora em ver reparado o dano sofrido, sendo que a mesma já dizia frases do tipo “o filho da irmã da minha prima que é advogado falou que eles não podem fazer isso…”, e a clássica “até a moça do banco disse para eu procurar os meus direitos…”.
– Minha senhora, é uma ação complexa, que podemos ou não ganhar em primeira instância, mas que talvez percamos em parte na segunda.
– Como assim? – questiona a dona da sonhada “procedência total da ação”.
– É que se cair com o juiz tal ele tem um entendimento, mas se cair com o outro…é outro.
– Mas, doutor…por que isso?
– É que existem doutrinas, jurisprudências e enunciados…
– Mas, doutor…e a lei?
– A lei, às vezes, diz uma coisa, mas os tribunais, às vezes, entendem outra…
– Mas, doutor…e aí?
– Aí que a vasta jurisprudência e doutrina dizem que a cobrança indevida gera dano moral, mas o Enunciado 28 diz que não. Aí que o Decreto 6.523/08 e a Portaria 2.014/08 dizem que o tempo máximo de espera para atendimento telefônico relativo a banco é de quarenta e cinco segundos, mas o consumidor aguarda em média uma hora, e o Enunciado 54 chama isso de “mera espera” indenizável. E, se por acaso, o banco fez a senhora assinar a contratação desses serviços em meio a dezenas de outros papéis da conta, isso pode resultar até mesmo num inquérito policial de estelionato…praticado pela senhora! É o que diz o Enunciado 32…
– Meu Deus, doutor…acho que minha pressão subiu!
– Bom, pelo menos agora o Enunciado 49 diz que não precisamos tentar a via administrativa para pleitearmos o medicamento na justiça. Posso fazer a procuração?

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