Mais uma dose de recordação: “O Encontro”
Devido a repercussão de minha última coluna, na qual publiquei a crônica “Os cinco verbos da vida”, um dos textos escolhidos por mim para representar Santa Fé do Sul na última edição da competição estadual “Mapa Cultural Paulista”, decidi trazer nessa semana a republicação de “O Encontro”, com o qual participei na modalidade “conto”, também na categoria Literatura da mesma competição.
Segue abaixo esse que – para alguns – é o texto mais “inspirado” que já produzi.
O encontro:
“Meu neto corria demais pelo dia ensolarado do parque.
Apertei o passo, o máximo que a idade me permitia, e segui seu rastro, sempre rindo de suas macaquices em meio à molecada.
Aleatoriamente, estava eu analisando todas as outras crianças do parque, admirando a felicidade e a inocência delas, sentindo até mesmo um pouco de inveja desse tempo único e inesquecível. Traquinagens, risadas, o ambiente era realmente animador.
Notei uma menina que descia no escorregador atrás de meu neto. Cabelo loiro, olhos vivazes e sorriso de anjo. Alegria exalando pelos poros.
Abri um sorriso enquanto ela saia do brinquedo e corria para fora dali, pois foi como um míssil que atravessou todo o parque e correu para os braços de uma mulher, que também esperava sorridente para lhe abraçar.
Então o tempo congelou. Talvez em uma fração de segundo apenas eu a reconheci, e, mesmo não acreditando, tive certeza que era ela.
Cabelos que foram loiros, os mais belos que meus olhos já viram, agora eram brancos e elegantes, como pedia a idade. O mesmo sorriso e os mesmos olhos que notei na menina, que provavelmente era sua neta, estavam ali refletidos também naquela mulher. Notei a fineza e a felicidade com que agia. Notei seu encanto, aquela coisa que nem o tempo apagava ou envelhecia: sua magia.
Eu estava diante da mulher que mais amei em minha vida, muitos e muitos anos atrás.
De repente, eu quase começava a me recordar de todo aquele passado incrível que tivemos, mas, ao mesmo tempo, me esforçava para manter a cabeça ali, para poder olhar cada segundo que fosse possível para ela. Tudo para tentar enxergar e decifrar o que seus traços me diziam.
Logo de cara me disseram que tinha uma boa vida, afinal, como disse, ainda era uma mulher elegante, com roupas belas e impecáveis, possuindo a estrutura de uma mulher bem cuidada e aparentemente não muito “calejada” pela vida.
Percebi que era feliz, pois seu sorriso parecia ser verdadeiro e ter como fonte de alimentação sua alma, e não apenas seus músculos da face.
Era o mesmo sorriso que ela me dava todos os dias. Eu tive certeza.
Comecei então imaginar se haveria arrumado um bom marido. Algum tão bom quanto eu teria sido para ela. Se teria tido muitos filhos. Tantos quantos eu teria dado a ela. E amor? Será que encontrara e amara alguém tanto quanto eu? Seria hoje mais feliz do que haveria sido ao meu lado?
Meus pensamentos, que já começavam me entristecer, foram interrompidos por meu neto que correu e me abraçou, pedindo, como sempre, para irmos a sorveteria próxima ao parque.
Pus-me a andar, com a cabeça ainda “a mil”, lutando para não olhar para trás e vê-la novamente, já que talvez fosse melhor ficar com a última imagem que eu levava guardada há poucos segundos.
Pequenas mãos encostaram repentinamente em minha perna, e, surpreso, ao me virar notei que era a linda menina loira do parque, e sim, a mulher que estava junto dela, e agora caminhava lentamente em minha direção.
Imagino o espanto que devia estar estampado em meu rosto. Mais ainda por notar a calma com que ela reagia a esse meu espanto.
Ao chegar ao meu lado, me estendeu a mão, e, sem saber direito por que, automaticamente a minha encontrou a dela.
A menina que ainda tocava minha perna puxou minha calça levemente, e em meio a um lindo sorriso disse: “vamos logo à sorveteria vovô”.
Então, entendi o que ocorria, e calmamente começamos a andar.
No mais perfeito silêncio, com tudo límpido em minha mente, segui agradecendo a Deus por aquilo.
Por ela ainda estar ao meu lado. Por agora olhar e entender o motivo de seu sorriso. E por nem mesmo essa terrível doença que é o Alzheimer ter me tirado a capacidade de sentir isso por essa mulher.
Minha esposa, minha companheira, minha vida. Meu amor inesquecível de verdade.”