Nunca chute uma pomba
É, o tempo está passando.
Não que eu não soubesse disso até agora, mas, quando paro realmente pra pensar que estou, desde ontem, há duas décadas, três anos e um dia sobre a face da Terra, são muitas as coisas que me vêm na cabeça.
Muitas histórias, sem dúvida. Todo mundo tem as suas, afinal.
Poderia contar – ou inventar – alguma emocionante e que talvez passasse uma lição de vida, mas não, sendo eu nenhum “herói da humanidade” a ponto de possuir algo tão relevante, contarei uma passagem que me recordei essa semana, enquanto pensava à toa.
Não tem filosofia hoje, é apenas uma desastrosa passagem, então, se não quiser saber algo que não vai lhe acrescentar nada, a não ser algumas boas risadas, talvez, pare por aqui.
Bom, se chegou até esse parágrafo, descubra o que acontece quando se quer parecer “descolado” demais.
Estava eu no alto de minha pré-adolescência, cursando a sétima série na saudosa escola Agnes Rondon Ribeiro, quando, num belo dia – que não me recordo com precisão –, a maioria dos meus amigos não foi à aula. Creio que fosse véspera de algum feriado.
Enfim, nesse dia apenas eu e meu amigo Diogo fomos até a cantina na hora do intervalo, e, após comprar um salgado cada, nos colocamos a andar furtivamente pelo campo de futebol do colégio.
Quem conhece bem a escola Agnes, sabe que, em um dos lados do campo existem várias árvores próximas do último degrau da arquibancada da quadra de baixo.
Pois bem, andávamos por ali comendo nosso salgado, quando passamos por um daqueles típicos grupinhos de garotas populares, que toda escola tem.
Vi que ali perto de nós, embaixo de uma das árvores, havia uma pomba fuçando no chão, e, conforme nos aproximávamos dela, notei que, ao contrário da maioria, ela parecia não se assustar.
Tentando parecer mais descolado do que – sem dúvidas – eu era, tive a brilhante (idiota) ideia de dar um susto na pomba. Como? Ameaçando chutá-la, claro.
Acontece que imaginei que ela iria voar. Por isso, quando empreendi em sua direção aquele meu velho tênis preto da Topper, com seu bico de borracha que arrancava até reboco de parece, fiquei surpreso, pois, no meio do caminho, vi que ia acertá-la.
Em uma fração de segundos tentei recolher o chute, mas, era tarde demais. Meu pé fez uma espécie de gancho por baixo da pomba e a arremessou no ar, como quando se encaixa o pé numa bola e a joga para cima.
Não para por aí. A pomba subiu no ar rodopiando sem direção, e, então, numa reação que não sabia ser típica dela, protagonizou aquilo que foi, talvez, a primeira diarréia pós-traumática da história das aves.
Isso mesmo. Ela soltou um jato de fezes impressionante, como uma ducha aberta repentinamente.
Em qual direção? Claro, na de uma garota mais velha que estava sentada no último degrau da arquibancada, saboreando seu delicioso salgado.
Parecia a cena de alguma comédia, porém, como era eu que estava com a perna ainda parada no ar, vendo a menina coberta de fezes da cabeça aos pés – literalmente, mesmo –, com o salgado e os óculos na mesma situação, não dá pra dizer que eu achei graça na hora.
Com exceção da garota, que saiu em direção da diretoria com um ódio mortal estampado nos olhos, todos em volta riram como se fosse a última risada de suas vidas. E eu ali, boquiaberto, tentando entender o que havia dado naquela pomba, e em mim, que tive tal ideia descabida.
Uma bela advertência na época, e agora a condenação de todos os protetores dos animais. É a vida.
Mas, quer saber? Sorrio de felicidade lembrando tudo que ela já me proporcionou de bom, ou, até mesmo, de ruim, pois, sem dúvida, tudo nela é um eterno aprendizado.
São três as lições que deixo hoje: viva plenamente a sua vida, procure sempre construir boas histórias para contar e se recordar, mas, nunca, em hipótese alguma, chute uma pomba.
Alguém pode acabar “enfezado”.