Luciano Pires

Publicado em 16/04/2016 00:04

Estou vendo e lendo muita gente cética com as mudanças que virão com o possível impeachment de Dilma Rousseff. Os argumentos se repetem: “tirar a Dilma pra botar o Temer?”, “ela será julgada por bandidos”, “tinha que mudar tudo”, “só vamos trocar de bandidos”.
Vou com Lao-Tsé: “Toda jornada começa com o primeiro passo”.
Queremos mudar o Brasil do ponto A para o ponto B, e essa transição precisa ser feita de forma gradual e progressiva. Se feita abruptamente, com base em alguma revolução como querem alguns, vai dar no que já cansamos de ver: populismo e/ou sangue. Ou no surgimento de um Messias que dará em outra coisa que também já cansamos de ver: sangue e/ou populismo.
Estou entre os que acham que o homem é imperfeito, que ninguém tem a solução para os problemas do mundo, que evoluímos imensamente ao longo da história e que o que temos de fazer é melhorar o que temos de bom, sem tentar rompimentos que acabam, de novo, em populismo e/ou sangue.
Por isso, em vez de ficar paralisado com medo do outro bandido que está na esquina, prefiro combater o que está me atacando agora, liquidá-lo e só então enfrentar o outro. E para isso eu olho em volta para perceber o que está acontecendo ou aconteceu nos últimos 10 anos. O que vou elencar a seguir não segue uma escala de prioridade, são apenas fatos que me lembro sem precisar pesquisar:
– o desentorpecimento das mentes conquistadas pelo canto da sereia que há 50 anos promete o paraíso ético, do crescimento e da harmonia para os brasileiros. Como a história já demonstrou, quem promete o céu fica sempre na promessa;
– o desnudamento da república dos marqueteiros, dirigida por populistas, pelas promessas, permanentemente em campanha eleitoral;
– o desnudamento da maquiagem de números, estatísticas, histórias e personagens a serviço de uma narrativa que criava um mundo ideal, muito diferente do real;
– o desnudamento das relações entre o poder e o dinheiro, com compra explícita de votos, de decisões, de benesses;
– o desnudamento da fragilidade de nossas leis, que parecem feitas para serem burladas por quem conhece o caminho das pedras;
– o surgimento de uma geração de juízes, promotores, delegados e – por que não – políticos jovens, dispostos a recuperar valores que foram atropelados pelos interesses pessoais de muitos;
– o desmantelamento de quadrilhas poderosas, com quase 200 criminosos já processados só no Petrolão, mais de 60 presos, entre eles alguns dos homens mais ricos e poderosos do Brasil;
– a revelação dos planos, conversas de bastidores, relações espúrias e conspirações, explicitando o caráter (ou falta dele) dos que se diziam donos da verdade e do futuro;
– o desmanche dos discursos dos que se diziam paladinos da ética, vários deles metidos nas mesmas maracutaias que aqueles que diziam combater;
– a desqualificação do discurso dos progressistas e estatistas que, durante mais de 50 anos, venderam uma utopia e depois tripudiaram sobre a esperança dos que acreditaram neles;
– a revelação das contradições – uma quase esquizofrenia – dos que discursam para um lado e agem para outro;
– o desnudamento de órgãos da imprensa, institutos de pesquisa, ONGs, intelectuais, professores e artistas que se mostraram a serviço não de uma causa, mas de projetos de poder ou de ganhos pessoais;
– a politização de milhares de jovens que até meses atrás não estavam nem aí para as questões políticas e que acabaram se interessando, conversando e aprendendo sobre;
– o desnudamento dos partidos políticos, da falácia da “oposição x posição” e da estrutura política brasileira que é velha, ineficiente, corrupta e incompetente;
– o desnudamento do legislativo, executivo e judiciário, que expuseram suas limitações e a necessidade urgente de reformas;
– o desnudamento de lideranças dos tais movimentos sociais que se revelaram nada mais que peões do jogo do poder, interessados em agir a soldo de um projeto de poder enquanto se escondem atrás do discurso da proteção das minorias;
– a súbita percepção por milhões de brasileiros (ainda uma minoria dentro dos mais de 200 milhões de habitantes) de que são cidadãos, que têm direitos, que podem exigir serviços e produtos de qualidade;
– a percepção de que o estado monstruoso, em vez de incentivar os indivíduos, apenas tolhe sua liberdade, suas economias, sua capacidade de escolher o que for melhor para si e para a sociedade;
– a revelação do estado de completa bagunça institucional a que chegamos, com a ocupação de cargos importantes por indicados políticos, gente incompetente e a serviço de interesses escusos…
Olha, eu poderia ficar aqui até amanhã elencando as centenas ou milhares de coisas que mudaram nos últimos dias, meses e anos, especialmente as percepções, e que indicam que vem um Brasil novo por aí, menos tolerante com os espertinhos, mais interessado na garantia dos direitos individuais, mais respeitoso, mais propenso ao diálogo, menos apegado a velhos credos, menos crédulo nos messias salvadores, mais protegido dos discursos populistas que liquidam com o futuro.
Se você não enxerga essas mudanças, meus sentimentos.
Essas mudanças são vagarosas, vão acontecendo conforme contaminam as novas gerações, vão surgindo conforme a revelação das inconsistências entre discurso e prática destroem os mitos. Por isso ainda teremos de conviver com lama, ratos e idiotas úteis por um bom tempo. Mas o Brasil de 2016 não é o mesmo de 2003, 2005, 2008 ou 2010. As perguntas mudaram, as respostas têm de mudar. Por isso é preciso que mostremos a nós mesmos que podemos assumir a mudança e fazer com que aconteça o melhor.
Eu, como a maioria dos brasileiros, quero ver na cadeia todos que tiverem rabo preso, sejam do partido, clube, religião, opção sexual, cor ou estrato social que forem. Por isso nossa ação fundamental, de curto prazo, tem de ser preservar a Lava Jato até as últimas consequências.
Nos próximos dias veremos os Eduardos Cunhas da vida chamados a prestar contas com a justiça ou no mínimo caminharem para o ostracismo o que, creia, para quem ama o poder, é um castigo. Você que acha que não vai dar em nada deve ser o mesmo que dizia dois anos atrás que Marcelo Odebrecht jamais seria preso, não é? Que dizia que político não vai pra cadeia ou que ainda diz que “vai mas sai logo”. Pois é…
Dois anos atrás nem pra cadeia ia…
Algo mudou.
Ninguém mais mijará de porta aberta na minha frente. Acabou a indiferença.
E uma coisa espero que fique clara: se o Temer assumir e pisar na bola, derrubaremos o Temer. E derrubaremos todos os que vierem em seguida e não tiverem um compromisso conosco. Vamos sofrer, vai custar caro, mas é assim que funciona: mudar dói.
E essa mudança começa com a retirada do PT do poder, com a queda de todos que defenderam as falcatruas e, principalmente, com o pavor que essa reação popular incutirá entre os eleitos para nos representar em Brasília ou em nossas cidades.
Mas e se o impeachment não passar? E se a Dilma não cair? Bem, já teremos sentido o gostinho… Se eles acharem que estava difícil, não sabem do pesadelo que viverão até 2018.
Eles deixaram o Brasil amadurecer. Agora vão se ver conosco.
E a você que continua indiferente ou acha que tudo permanecerá como antes, ou que vai piorar, deixo um pedacinho do que Geraldo Vandré compôs em Disparada:
Mas o mundo foi rodando / Nas patas do meu cavalo
E os sonhos / Que fui sonhando
As visões se clareando / As visões se clareando
Até que um dia acordei.

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