Morda a isca
Uma das bases do meu trabalho, que chamo de “fitness intelectual”, é a distribuição de “iscas intelectuais”. A definição das iscas está no nome: iscas não matam a fome, apenas abrem o apetite. Iscas intelectuais servem, portanto, para despertar o apetite intelectual das pessoas. Um fragmento de texto, uma música, uma ideia, um argumento, um poema, uma frase… são gatilhos que, para quem pratica o fitness intelectual, servem como motivação para sair atrás de autores, artistas, escritores, gente com conteúdo relevante capaz de enriquecer repertórios. E recebo constantemente mensagens de agradecimento de leitores e ouvintes, felizes com as descobertas que fazem a partir de minhas iscas.
Mas para que as iscas funcionem, é necessária uma contrapartida do leitor ou ouvinte. Ele ou ela tem que exercer a curiosidade, mergulhar mais fundo, sair atrás. Tem que buscar compreender aquela ironia, o que há por trás daquele texto, daquela música. Caso contrário, as iscas não funcionam.
Quer um exemplo? Publiquei uma frase polêmica, de Bill Levitt, parecida com as que sempre uso, nas Iscas Intelectuais semanais que posto no Facebook: “Alguns têm talento. Outros compensam a falta de talento com trabalho duro. Para o resto existem os sindicatos.”
Eu sabia que viria a reação, que não demorou, com comentários como este, que resume os outros:
“Puro lixo! Os sindicatos surgiram para ganhar direitos para os trabalhadores e combater a exploração pelos patrões capitalistas. Seguro que você conheça a história. Falar que os sindicatos são para gente que não tem talento ou não se esforça é um argumento muito ruim. Gosto do seu programa mas este tipo de comentário só serve para desacreditar seu discurso.”
Pois é, a isca não funcionou…
Indignado com uma afirmação que vai contra seus credos, o leitor não praticou o fitness intelectual, não ficou curioso por saber quem é o autor da frase. Tivesse ido atrás, e bastariam dois cliques, teria aprendido que Bill Levitt foi o sujeito que revolucionou o sistema de construção de casas nos Estados Unidos, reduzindo o tempo e o custo da obra drasticamente, para atender os veteranos que retornavam da II Guerra Mundial. Ele teve que reinventar um processo antigo e como resultado criou o conceito do bairro de subúrbio planejado, que acabou se tornando uma marca cultural dos Estados Unidos. Bill Levitt foi um dos responsáveis pela criação do “American Dream”, que ajudou a tornar os Estados Unidos a nação mais poderosa do planeta. E para isso, Bill teve que quebrar paradigmas gigantescos. Um deles, talvez o maior, foi enfrentar as pressões dos sindicatos, que sentiram-se ameaçados por suas ideias inovadoras.
Quem mordeu a isca, aprendeu um pouco sobre a história dos Estados Unidos, sobre o gênio empreendedor e a personalidade polêmica de Levitt, que foi acusado, entre outras coisas, de racismo. Quem mordeu a isca, teve uma lição de empreendedorismo e liderança e saiu da leitura do texto mais rico do que entrou.
Quem não mordeu, não aprendeu nada, não ganhou nada, não aproveitou nada. Saiu da leitura do texto do mesmo jeito que entrou.
Fica a dica então:
Seja sempre bem-vindo ao Café Brasil.
Mas morda a isca.