O moço do Uber
Sempre pergunto aos motoristas há quanto tempo eles estão no Uber, pra saber se está dando certo. Peguei esta semana um rapaz bem jovem, que me disse que estava há três meses, desde que retornou dos Estados Unidos, onde vivia como imigrante ilegal.
Prosseguimos no diálogo:
– Eu morava lá há cinco anos, agora voltei com minha esposa e meu filho. Como não tem emprego aqui eu optei pelo Uber.
– Mas voltou por quê?
– Depois que Trump tomou posse eles cancelaram nosso plano de saúde. Minha mulher estava grávida e fazendo o pré-natal. De repente chegou em casa uma conta de 15 mil dólares! O serviço era público, eu fiquei indignado e não paguei, alguns dias depois minha esposa foi até uma clínica, com enxaqueca. Se recusaram a atendê-la se não pagássemos…
– Putz!
– Em seguida cancelaram minha Drivers License, a carteira de habilitação de lá. Eu não podia dirigir.
– Putz!
– Mas tem mais. Eles depois proibiram que as empresas contratassem qualquer pessoa que não tivesse o Social Security ID, uma espécie de CPF deles, que nenhum imigrante ilegal tem. Aí fiquei assim: sem plano de saúde, sem carteira de motorista, sem emprego e sem a menor chance de conseguir outro emprego, pois a multa para o empregador é muito pesada.
– E daí você voltou…
– Voltei. Nem deu tempo de esperar meu filho nascer lá. Esta semana falei com um amigo que está lá, também ilegal. Ele me contou que perdeu a hora e, em vez das 7 da manhã, chegou no trabalho às 8 e não viu ninguém no local. Perguntou o que havia acontecido. Os agentes da imigração deram uma blitz logo cedo e todo mundo estava sendo deportado, menos ele, porque chegou atrasado…
– Putz.
– Agora estou me virando aqui, onde tudo é caro. Olha este carro. Eu vi um destes para comprar lá, por 6 mil dólares, usado, em excelentes condições. Aqui me custou 75 mil reais. É assim…
– Pois é.
E ele concluiu:
– Mas sabe que não sei quem está errado? Se é o Trump expulsando os imigrantes ilegais ou se somos nós aqui que aceitamos que um automóvel destes custe 75 mil reais, pagamos a metade do que ganhamos em impostos, nos conformamos com 70 mil assassinatos por ano. Não é pra ir embora daqui?
Ele então deu um suspiro e ficou mudo. A corrida terminou, nos despedimos, desci do carro, desejei-lhe boa sorte e, enquanto o carro preto se afastava, fiquei ali parado, sem saber o que pensar.
No dia seguinte os deputados aprovaram uma emenda que, se passar, vai praticamente acabar com o Uber.
Que dó de nós.