Quando um não quer
Você já deve estar cansado de saber que a área de comentários das mídias sociais é o portal do inferno, não é? Xingamentos, bate-bocas, demonstrações de intolerância, uma vitrine para a ignorância, que levou Umberto Eco a dizer, em 2015:
“As mídias sociais deram o direito à fala a legiões de imbecis que, anteriormente, falavam só no bar, depois de uma taça de vinho, sem causar dano à coletividade. Diziam imediatamente a eles para calar a boca, enquanto agora eles têm o mesmo direito à fala que um ganhador do Prêmio Nobel”
Quando todos falam o que querem, o potencial para confrontos e conflitos é infinito. Eu tenho uma página com mais de 200 curtidores no Facebook, e ali publico uma coisa mortífera chamada… opinião. No começo eu chegava a responder a comentários, mas depois parei. Não dá, consome um tempo imenso que eu deveria dedicar àquilo que faço melhor: escrever e gravar podcasts e palestrar. Prefiro fazer as provocações e assistir aos debates.
Mas esta semana aconteceu algo didático.
Fiz uma postagem (https://www.facebook.com/luciano.pires/posts/792188160935394) reproduzindo um artigo que trata das mentiras que a imprensa fala sobre Donald Trump, dizendo:
– Vá vendo aí como fazem você de trouxa.
Uma leitora respondeu assim:
Katharina: E o que garante que tudo que você lê é verdade? O que te faz acreditar que você está imune?
O comentário me pareceu uma clara provocação. Ela estava dizendo que eu “me acho”, que dei a entender que sou imune a ser enganado, embora eu não tenha dito nada disso. O “você é trouxa” é minha forma de provocar o leitor. Tem uma ferroada aí que dói, tira a pessoa da pasmaceira.
Uma coisa que me deixa particularmente irritado é quando as pessoas comentam dizendo “você disse isso”, ou “ você quis dizer aquilo”. Fico puto. A frase certa é “eu entendi que você disse isso”, ou “entendi que você quis dizer aquilo”. Notou a diferença? Você reconhece a possibilidade de ter entendido errado.
Minha primeira reação foi responder com uma típica patada facebooqueana tipo :
– Onde foi que eu escrevi que sou imune? Você precisa aprender a interpretar textos.
Esse tipo de resposta eu sei que reação traria. Preferi deixar a questão descansar um pouco para responder de forma mais positiva. Voltei ao post umas duas ou três vezes, até responder assim:
Luciano: Nada. Eu sou só mais um trouxa, Katharina.
Respondi com uma dose de ironia, sem ataca-la, apenas me colocando na mesma posição dela e desarmando os espíritos. A resposta foi assim:
Katharina: É como me sinto. Em todos os aspectos.
Pronto. Não havia mais enfrentamento, apenas a manifestação de nossa vulnerabilidade. Dei o próximo passo, oferecendo alguma dica:
Luciano: Katharina, assista isto: https://www.youtube.com/watch?v=x-9EW-BKtBM&t=7s 002 – A teoria dos 4 Rês.
Ela respondeu assim:
Katharina: Vou assistir, sim. Obrigada pela atenção.
Passados alguns minutos, novo comentário após assistir o vídeo:
Katharina: Filtrar as informações e olhar tudo com desconfiança. Tem que ser um exercício diário para evitar que aceitemos tudo como verdades absolutas. O problema é somos bombardeados por uma carga cavalar de informações provenientes de todos os veículos de comunicação, muitos dos quais são partidários defendendo seus interesses próprios. Muitas vezes, motivados por a nossa ideologia, selecionamos apenas as informações que coadunam com os nossos próprios interesses e descartamos aquelas que contradizem ou confrontam as nossas convicções. Nesse caso, nos tornamos vítimas em potenciais de informações distorcidas. Adorei o vídeo, muito obrigada pela atenção.
Pronto. O que tinha potencial para se transformar num confronto, acabou numa amável troca de comentários com um agradecimento sincero no final.
É assim que deveria ser nas mídias sociais, em vez de xingar ou enfrentar, cada um contribuindo para construir uma espiral de distribuição de conteúdo, de crescimento, movida pela gentileza.
Como faço isso? Ora, apenas sigo o que ouvi de meus pais durante minha infância:
– Quando um não quer, dois não brigam.
Que bobagem, não é?
É. Experimente.