Traga seus ressentimentos passivos
Ouvi uma jovem que enveredou pela carreira política, explicando a razão de sua escolha. Ela disse que, preocupada em cumprir um papel social, fazia parte de um grupo que dava aulas de teatro para crianças em favelas, e achava legal. Mas quando as crianças terminavam a atividade e voltavam para casa, continuavam ameaçadas pela pobreza, pela violência, pelo tráfico de drogas, pela falta de opções. A sensação de que seu trabalho social não rendia, fez a moça ingressar na política. Como vereadora, ela teria mais poder e capacidade de influenciar na criação e na revisão das leis e normas que causam impacto na sociedade.
Ela sabia que se meteria no meio de cobras e que a imagem dos políticos nunca esteve tão por baixo. Mas também sabia que, de fora, o máximo que conseguiria fazer seria expor seus ressentimentos passivos.
Ressentimentos passivos.
Você também é mais um (ou uma) dos que preenchem seu tempo com ressentimentos passivos? Conhece gente assim? O Brasil tem milhões de brasileiros que gastam sua energia distribuindo ressentimentos passivos. Olham o escândalo na televisão e exclamam “que horror”. Sabem do roubo do político e exclamam “que vergonha”. Vêem a fila de aposentados ao sol e exclamam “que absurdo”. Assistem a quase pornografia no programa dominical de televisão e dizem “que baixaria”. Assustam-se com os ataques dos criminosos e choram “que medo”. E pronto!
Pois acho que precisamos de uma transição “nestepaíz”. Do ressentimento passivo à participação ativa. A minha transição começou quando li num texto de Érico Veríssimo um trecho delicioso:
…”o menos que um escritor pode fazer, numa época de atrocidades como a nossa, é acender a sua lâmpada, fazer luz sobre a realidade de seu mundo, evitando que sobre ele caia a escuridão, propícia aos ladrões, aos assassinos e aos tiranos. Sim, segurar a lâmpada, a despeito da náusea e do horror. Se não tivermos uma lâmpada elétrica, acendamos o nosso toco de vela ou, em último caso, risquemos fósforos repetidamente, como sinal de que não desertamos nosso posto.”
E tudo ficou mais fácil quando entendi que não preciso mudar a vida de 200 milhões de brasileiros. Basta começar mudando a vida de um. Veio daí a motivação para lançar meus textos na internet, manter meus sites, escrever e distribuir meus livros, fazer minhas palestras, meus comentários em rádio e tudo que ainda vem por aí.
Não sei se provoquei alguma mudança em alguém, mas acredito que estou cumprindo um papel, homeopático, pequenino e simples. Para mim, relevante. Tem gente que escreve me chamando de ególatra, metido e elitista. Para essas pessoas, eu incomodaria menos se permanecesse confortavelmente usufruindo da vida de executivo de uma multinacional, pacatamente curtindo meus ressentimentos passivos.
É uma opção. Mas acho que sou parecido com aquela jovem política, sem a coragem dela. Ela comprou a briga, virou vereadora, meteu os pés num ambiente recheado de lama, se incomodou, ouviu abobrinhas, sofreu com os conchavos, foi ofendida de todas as formas, especialmente quando mudou de partido e de lado. Sua história é didática, na medida em que nos mostra como ela encontrou um jeito de mudar o mundo, mudando o sistema de dentro. Ela escolheu participar ativamente.
Não sei se está satisfeita, acho que não, mas quem mais tem a coragem dela?
Bem, como eu não tenho, me limito a escrever, palestrar, cutucar, provocar, e no próximo dia 20 estarei oficialmente lançando meu novo livro ME ENGANA QUE EU GOSTO na FNAC da Avenida Paulista, em São Paulo. Pretendo bater um papo com quem aparecer por lá, sobre o Brasil, onde estamos e para onde vamos.
Apareça. Leve seus ressentimentos passivos. Vamos ver se encontramos formas de transformá-los em ação.