Um jeito de ver o mundo
Terminando minha palestra Comunicação Em Tempos de Cólera, na qual em determinado momento trato do Brasil que sonhávamos em 1979 e que virou de ponta cabeça 25 anos depois pelas mãos daquela moçada que tinha todas as respostas, várias perguntas surgiram na plateia. E uma delas, recorrente: o que eu achava da divisão entre esquerda e direita no Brasil. Deve ser a pergunta que mais ouço…
Dá para responder a pergunta daquela plateia jovem de muitas formas, eu escolhi fazê-lo combatendo uma falsa dicotomia. Decidi bater na tecla de que ser de direita ou de esquerda não tem nada a ver com ser bom ou mau, mas com a forma como o indivíduo vê o mundo.
Essa falsa dicotomia, transformada em rótulo que reduz as discussões, foi pacientemente construída ao longo de 60 anos: a esquerda é boazinha, se preocupa com a natureza, com os índios e com os explorados. A direita é má, ditadora, capitalista, desmatadora e exploradora. Se você é de esquerda você é bom se é de direita é mau. É isso que foi ensinado a você durante sua infância e juventude, um estereótipo muito fácil de assimilar. Quem estuda um pouquinho, um pouquinho só, imediatamente percebe que isso é uma caricatura conveniente, a serviço de uma ideologia, da manutenção de uma certa elite no poder.
E eu prossegui na resposta: o esquerdista vê o mundo de fora para dentro, primeiro o planeta, depois a sociedade, então o país, a cidade, a tribo e o indivíduo. Ele pensa primeiro no coletivo, considera o indivíduo uma unidade desprezível, egocêntrica, egoísta, cobiçosa e que, quando largado livre, explora outro indivíduo. Por isso o pensamento de esquerda acredita que um governo forte é necessário para definir como o indivíduo deve viver. Para o esquerdista as mudanças só acontecem no coletivo, em grupos compostos por gente altruísta que sempre chegam magicamente às melhores soluções. Por isso quer assembleias intermináveis, onde todo mundo tem de opinar e é praticamente impossível sair do mínimo divisor comum.
Já quem é de direita pensa ao contrário: de dentro para fora. Primeiro o indivíduo, depois a tribo, o país, a sociedade e o planeta. Para o direitista, a mudança acontece a partir da liberdade de escolha e de ação individual, que é o que provoca mudanças. Por isso não quer um governo onipresente, não quer coletivismo, não quer assembleias infinitas. Quer resolver a partir da ação livre e individual.
Fala a verdade, não é muito mais bonita a posição generosa da esquerda, que quer o bem de todos a partir das ações de todos? Como resistir? Nesse pacote cabe tudo: da defesa de minorias ao aquecimento global. Pois é. Dentro dessas duas visões de mundo você distribui os anarquistas, os liberais, os conservadores, os socialistas, os comunistas, os corinthianos, etc.
Quando a gente entende como essa questão do de-dentro-pra-fora-de-fora-pra-dentro funciona, passa a compreender que aquele sujeito que defende o indefensável, que sai na rua gritando “#égolpe”, que quer a volta dos militares, que cospe na cara de quem usa a camisa do Bolsonaro, que agride uma pessoa por ela ser gay e que quer calar na porrada quem fala o que ele não quer ouvir, pode ser um cara legal. Sim, pode ser aquele vizinho que toma um chopinho com você, que ama os filhos, que leva o cachorro pra passear e que quer, sinceramente, um mundo melhor. Só que de um jeito diferente do seu.
Ser de direita ou de esquerda, a princípio, não deveria definir o caráter de ninguém, apenas indicar a forma como a pessoa vê o mundo. Mas é claro que essas escolhas apontam numa direção…
A forma que eu escolhi para ver o mundo, considerando essas definições, é a da direita: o indivíduo como motor das mudanças. Se eu quero mudar algo, começo comigo, considerando meus defeitos e limitações, sem acreditar em mágicas, utopias ou gente que vende o céu no futuro desde que eu vá pro inferno no presente.
No fim das contas, eu – não “nós” ou “eles” – sou o motor das mudanças. Se eu encontrar outros “eus” com esse mesmo tipo de pensamento, aí sim talvez tenhamos um grande “nós” capaz de acelerar as mudanças, sem vitimismo, sem colocar culpa no sistema, sem reducionismos. Apenas exercitando aquilo que deve ser nosso maior valor: a liberdade individual.
Mas esse é só meu jeito de ver o mundo.