A BOA MORTE
Muito me chocou e machucou a morte de dois homens geniais da literatura brasileira: João Ubaldo Ribeiro e Ariano Suassuna. Eu, pelo menos, ainda não estava refeita da Morte de João Ubaldo, por quem tinha um carinho, não só de fã, mas também como cúmplice de ideias.
Fui apresentada a João Ubaldo num começo de tarde por um amigo que também mora no Leblon. Sentado a mesa de sempre, observando tudo e todos e dando boa tarde para todos os vizinhos já acostumados a vê-lo ali. Levantou-se cortêsmente para me cumprimentar e ficamos conversando banalidades por alguns minutos enquanto eu ardia em fogo para embrulhá-lo num guardanapo e levá-lo pra casa dentro da bolsa.
Já a morte de Suassuna me deixou deprimida. Me fez pensar nessa coisa inevitável e em uma frase que li alhures e diz “ A vida é uma doença incurável, sexualmente transmitida, com prognóstico fatal em 100% dos casos.” E esta fatalidade me incomoda, pois foge do nosso livre arbítrio.
Por isso sou a favor da Eutanásia (a boa morte) que nos permite morrer com dignidade e com menos sofrimento. Sei que não fui santa ou boa o suficiente para receber a graça de morrer dormindo, mas, apesar de temente a Deus se a demência senil me atingir, qualquer momento que eu tenha de lucidez será para evitar ouvir de alguém: “Tomara que morra logo, tá dando um trabalho!”
Penso na velhice acompanhada da demência como sendo um cárcere, uma pena de morte sem data marcada, como é a própria vida, só que a mesma vale a pena ser vivida enquanto existe a razão, podemos produzir como Suassuna, enquanto somos donos da nossa vontade e escolhemos a alegria e quem amamos para nos fazer companhia.
Quero a lucidez. Quero a dignidade. Sei que não posso escolher qual será a minha morte e por quanto tempo serei um estorvo para os que amei e me amaram. Por isso, às vezes me aborreço com Deus por ser tão intransigente e não nos dar o direito de morrer dignamente, mas sem culpa.