DE CONCHINHA
“O Côncavo e o convexo assim é o nosso amor no sexo”, canta o rei exaltando uma das posições mais bonitas exibidas por um homem e uma mulher nus. É quando os corpos se mostram acasalados e unidos de maneira perfeita. Para muitos casais, é também um símbolo ou um sinal de que estão em perfeita harmonia. Quando dormem de conchinha.
Eu, particularmente, nunca fui chegada a ficar grudada no parceiro, e muito menos dormir com o corpo colado no outro. Acho linda uma cabeça, seja de homem ou de mulher, repousando no peito do companheiro. Parece que estão em paz e sentem confiança e conforto. Mais lindo ainda quando se enroscam de conchinha e entrelaçam as pernas dando as costas para o corpo do outro e confiando que nada de mal vai acontecer. Só coisa boa.
Há muitos anos dormimos em camas e quartos separados por opção minha e aquiescência dele por falta de opção. Muitas picuinhas passaram a ser evitadas, tipo: Um quer luz e televisão ligadas, o outro acorda muito cedo enquanto o outro lê até tarde e depois quer silêncio e escurinho. Mesmo antes, nunca teve essa história de conchinha, nem quando a paixão estava no auge.
Às vezes é preciso que os sentimentos mudem e a relação evolua para algo mais forte e mais concreto que a paixão para que certos hábitos mudem também.
Nos mudamos para um lugar frio. Eu, que sempre gostei da nudez para dormir, não importava se era inverno ou verão, e sempre me espalhei numa cama enorme sem querer ninguém ao meu lado, de repente senti frio e passei a usar pijamas. Talvez seja a idade. Dizem que os velhos sentem mais frio, e penso que a velhice, pelo menos física, chegou pra mim.
Talvez seja a mudança de ares, de geografia, de cotidiano. O fato é que o frio não desapareceu mesmo com inúmeras cobertas. Nem o meu, nem o dele. O fato dos quartos ainda não estarem com a mobília no lugar nos obrigou, literalmente, a dormir na mesma cama. Ambos gostamos da experiência há muito abandonada. E o frio nos empurrou para mais junto um do outro até que a tal conchinha se fez. E o calor dos corpos tornou as noites mais quentes. Entendi pela primeira vez, aos 60 anos, o quanto é eficaz o tal cobertor de orelha.
Aos poucos o número de cobertas foi diminuindo e o frio também. Não o frio lá de fora, que continua exibindo um inverno mais rigoroso que de costume, mas o frio do quarto, o frio do tempo passado separado, o frio que chega com a idade e a desilusão. Precisei do inverno para sentir na pele que em qualquer época de nossas vidas somos nós que desenhamos todas as estações.