NÃO CABE MAIS SERMOS SÓMENTE AMIGOS…
Não faz muito tempo, na minha memória eu era apenas uma adolescente. E, como toda adolescente que se preze, gostava de poesia. Descobri, memorizei e recitei milhões de vezes sem fim, umas poesias bobas, como bobas são muitas poesias, com frases que diziam assim:
“Não pense que a mentira me consola
Parte em silêncio, será bem melhor.
Se tudo terminou, a tua esmola.
“Meu sofrimento ainda fará maior…”.
E mais na frente, num momento de revolta o poeta desabafa:
“Nasci para ser teu inimigo ou teu amante,
Mas nunca teu amigo ou teu irmão…”
O poeta, com o coração estraçalhado, termina o poema, conformado em perder o objeto amado; porém, sabedor que, um dia a amada, por fim, descobrirá o grande amor desperdiçado por ele e por tanto tempo disfarçado:
“Só mais tarde, bem sei, compreenderás
As palavras de ardor que não te disse
E outras de amor, que não direi jamais…”
No final das contas muitas são as histórias de amor que começaram onde essa termina. Amigos que dividiram dores e amores. Confidências e lágrimas. Risos falsos e sinceros. Até descobrirem que queriam dividir o amor que sentiam.
Até que um dia, os olhos se cruzaram de um jeito diferente, a pele esquentou por debaixo do vestido e da camisa, a palavra saiu trocada e não ouvimos mais nada a não ser o próprio coração batendo forte e descompassado.
A partir de agora te quero, meu namorado. Não te quero mais como amigo. Não te quero confidente. Não quero ouvir teus segredos, sobre outras camas e bocas. Não quero tua sinceridade de camarada legal, de companheiro “gente boa” que “segura minha onda”, que enxuga minhas lágrimas e sabe das minhas derrotas.
Não vou mais gastar conselhos com esse teu pouco defunto! Não quero saber de desabafos, das dores do teu cotovelo. Que, quando venhas a chorar mais tarde, seja mortinho de amor por mim. Que lastimes o tempo que perdemos, comendo pipoca e jogando cartas, pra matar o tempo, enquanto o amor não chegava, enquanto o amor não doía como dói agora, que te quero me apertando, no escurinho do cinema, lambendo o mesmo chocolate, bebendo no mesmo canudinho.
Quando a amizade se transforma em paixão, perde-se um amigo para sempre.
Segredos que foram antes compartilhados, agora são armas prontas para ferir o coração do apaixonado. Pior então, quando ele insiste em ser amigo, ou se ela não se toca e pede carona (logo pra você), até a casa do outro que poderia estar morto para liberar o espaço para o amigo sempre disponível, mas invisível.
E se a pessoa chama você pra ajudar a escolher o presente, que podia ser, mas não é para você? Ir com cara de feliz ou com cara de apaixonado? Comprar um presente surpresa, ali, naquele momento, e confessar todo o sentimento escondido e perder o amigo? Ou pedir que seu amigo que seja namorado por um dia e arriscar ganhar um namorado? O problema é decidir o que é melhor. Sinceramente? É melhor ter um namorado mui amigo do que ser um amigo enamorado. Ou ser amiga do namorado da amiga e não amigo da amiga do namorado…