QUEM É ESSE NO ESPELHO
Essa voz não é a minha. Essa pessoa não sou eu! Ninguém me entende, nem eu! Ninguém me quer, nem eu! Esse lugar não é o meu, mas, onde será o meu lugar?
Até ontem, tudo que eu falava era motivo de graça, tudo que eu fazia era perdoado. Que bonitinho eu era… Podia até errar! Tudo era permitido. Tudo era a causa de um aplauso e de um presente. E agora? Agora tudo é minha obrigação! Eu cresci por fora e diminui por dentro! Pelo menos é o que as pessoas pensam. Pelo menos é assim que me sinto!
Esquecem de mim. Me amam menos, porque preciso de menos cuidados. Antes, era uma criança, não entendia nada da vida. Agora, não sei nada da vida, pois sou um adolescente! Coisa complicada essa. Minhas doenças ficaram esquisitas ou desapareceram, já que me tiraram o pediatra para colocar no lugar dele um “hebiatra” que ninguém conhece, pois nunca me levam lá. Nem vejo ninguém dar importância em se especializar nisso (afinal, cuidar de mim não é tão importante assim…). Minhas pernas cresceram demais, meus pelos cresceram demais, eu durmo demais e todo mundo me ouve de menos…
A minha alegria se foi, e das coisas que acho graça, meus pais não riem. Tenho certezas, que eles desconhecem, tenho certezas, ah!!! Como eu as tenho! Mas ninguém me ouve a não ser a minha “tribo”. Só no meio deles eu sou feliz, só entre eles me sinto bem. Temos a mesma “Cara”! Temos as mesmas cores! Falamos a mesma língua, com as mesmas gírias, curtimos o mesmo som, ou seria o mesmo barulho?
Gente esquisita, vocês! Se é que podemos chamá-los de gente! Não têm compaixão, não entendem o quanto sofremos, se esqueceram o quanto sofreram pelos mesmos motivos que nós? Chegamos à adolescência. Não sabemos ainda o que queremos. Só o que vocês querem pra nós. Nossos hormônios nos fazem sentir coisas diferentes, nas horas erradas, e somos condenados por isso.
Quando vocês dormem, queremos acordar, quando vocês acordam, queremos dormir. Cada dia no espelho, descobrimos uma pessoa diferente, e nem sempre gostamos do que vemos , assim como cada dia descobrimos uma paixão arrebatadora e definitiva dentro de nós, e não sabemos como lidar com isso. Queremos a solidão!
O quarto trancado, os olhos parados, olhando pro nada, ninguém me falou aonde eu vou chegar. Que profissão devo escolher? Qual o meu talento, Qual a minha sina? Qual o meu destino? Também vou ter que casar? Mas meus pais brigam tanto, chega a ser um pesadelo! Também vou ter que ser pai? Também vou ter que ser mãe? Também vou ter que parir? Parto normal? Isso deve doer pra caramba! Mas criança é um bicho tão chato…
Às vezes me sinto a mais culpada das criaturas. Quero ser o orgulho daqueles que esperam tudo de mim: Meus pais. Parece que eles não conseguiram ser muita coisa, mas têm certeza que eu vou ser. Engraçado! Essa certeza eu não tenho. E isso me causa uma angústia tão grande, tão profunda, tão… tão… Aborrecente. Talvez, se não esperassem tanto de mim, se não projetassem em mim tantos anseios que não são meus, sonhos que não são meus, responsabilidades que não são minhas, e erros que eu ainda nem cometi, talvez eu ficasse livre para viver a fase mais difícil da vida de um mortal e tivesse mais coragem para acertar meu caminho sem precisar travar nenhuma luta interior, nenhuma luta com eles, nenhuma luta com Deus…