Usucapião já pode ser feita em cartório

Publicado em 28/05/2016 00:05

Por Lucas Machado

Dentre as mudanças trazidas pelo novo Código de Processo Civil, que passou a vigorar em março de 2016, uma delas é que a usucapião de bens imóveis, de forma ampla, agora pode ser feita em cartório, desde que haja concordância de todos os interessados.
O Jornal entrevistou o Tabelião da Comarca de Santa Fé do Sul, Dr. Lucas Magalhães de Souza, que explicou que a usucapião é modo originário de aquisição da propriedade e que, por meio dela, o possuidor que preencher determinados requisitos, que variam conforme a modalidade de usucapião, adquirirá a propriedade do bem de que tinha somente a posse.
“Um detalhe interessante é que a usucapião não se restringe a bens imóveis. Os artigos 1.260 a 1.262 do Código Civil são expressos ao prever a possibilidade de adquirir a propriedade de bens móveis pela via da usucapião. A inovação legislativa trazida pelo Novo Código de Processo Civil (Lei 13.105/2015), no entanto, diz respeito à usucapião de bens imóveis. Isso fica claro quando se exige, por exemplo, assinatura de titulares de direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel objeto da usucapião e dos imóveis confinantes. Bens móveis não têm matrícula no oficial de registro de imóveis e os direitos sobre eles não se transmitem pelo registro”, explicou ele.
Dr. Lucas relatou ainda que a previsão de usucapião administrativa, de forma ampla, é uma inovação do Novo CPC, cujo artigo 1.071 acrescentou o artigo 216-A à Lei 6.015/73 (Lei dos Registros Públicos).
“Antes do novo CPC, até havia previsão legal da usucapião administrativa, mas de forma bastante limitada, restringindo-se a imóveis no âmbito da regularização fundiária e da habitação popular. O novo CPC, que estende a possibilidade de usucapião administrativa para qualquer imóvel, foi oficialmente publicado em 16 de março deste ano, mas previu, em seu artigo 1.045, que só entraria em vigor 1 ano após essa data”, ressaltou o Dr. Lucas Magalhães.
O tabelião explicou também que, ressalvadas as hipóteses de regularização fundiária e habitação popular, acima mencionadas, antes a usucapião podia ser pleiteada exclusivamente pela via jurisdicional. “Em outras palavras, havendo ou não concordância de todos os interessados, era necessária uma sentença judicial declarando a usucapião, que seria levada a registro pelo oficial de registro de imóveis”.
Embora seja possível pleitear a usucapião pelo cartório, a mesma ainda pode ser feita pela via jurisdicional. “O novo CPC é expresso ao prever que a usucapião administrativa é uma opção da parte interessada, ou seja, ainda que haja a concordância de todos os interessados, caberá ao requerente optar pela via jurisdicional ou administrativa. Por outro lado, se não houver a concordância de todos os interessados, não é possível pleitear a usucapião pela administrativa e a solução continua sendo a via jurisdicional”, disse ele.
Mesmo que seja feita a usucapião administrativa, o Dr. Lucas ressalta que ainda é necessária a participação de um advogado. “O novo CPC também foi expresso sobre esse assunto, ao prever que o interessado será representado por um advogado na usucapião administrativa. A necessidade de participação de advogado em procedimentos realizados por tabeliães e oficiais de registro não é novidade, eis que já é prevista na Lei 11.441/2007, para inventários, partilhas, divórcios e separações pela via administrativa”, disse ele.
A mudança se insere em um contexto maior de transferir parcelas de atividade do Poder Judiciário, nas quais há consenso de todos os interessados (isto é, não há conflito de interesses), aos tabeliães e oficiais de registro.
Essa tendência se verificou na Lei 11.441/2007, que autorizou a realização de inventário, partilha, separação e divórcio pela via administrativa, desde que preenchidos determinados requisitos elencados na mesma lei.
Outro exemplo, mais antigo, é o da Lei 10.931/2004, que possibilitou a realização de retificações de registro também pela via administrativa, diretamente junto ao oficial de registro de imóveis, desde que presentes os requisitos para tanto.
“Há dois traços comuns nessas três alterações. Um é o da facultatividade da via administrativa, ou seja, se o interessado preferir, poderá sempre optar pela via jurisdicional, ainda que presentes todos os requisitos que autorizam a via administrativa. Outro é o da necessidade de consenso, ou seja, só será possível a opção pela via administrativa se todos os interessados estiverem de acordo”, salientou.
Se não houver a concordância de todos os interessados, não será possível a usucapião pela via administrativa, e, de acordo com o Dr. Lucas, as pessoas que a lei considera “interessadas” na usucapião administrativa são, além do próprio requerente da usucapião, os ‘titulares de direitos reais e de outros direitos registrados ou averbados na matrícula do imóvel usucapiendo e na matrícula dos imóveis confinantes’. “Em outras palavras, todos aqueles que tenham qualquer direito (propriedade, usufruto ou hipoteca, por exemplo) figurando na matrícula do imóvel objeto da usucapião ou na matrícula dos imóveis vizinhos deverão concordar com o pedido de usucapião para que ele possa ser acolhido na via administrativa”, disse.
A concordância pode-se dar pela assinatura na planta e memorial descritivo da usucapião. “Se faltar alguma assinatura, o oficial de registro de imóveis notificará essa pessoa para manifestar seu consentimento expresso em 15 dias, sendo interpretado o silêncio como discordância. Em outras palavras, se algum dos interessados não se manifestar sobre a usucapião, o oficial deverá rejeitar o pedido administrativo, o que, evidentemente, não impedirá o requerente de ajuizar ação judicial de usucapião. Temos aí uma diferença importante entre os procedimentos administrativos da usucapião e da retificação administrativa. Enquanto na retificação o silêncio é interpretado como anuência, na usucapião é lido como discordância”.
Como funciona a usucapião administrativa
O procedimento está previsto no artigo 216-A da Lei 6.015/73, e a função do tabelião de notas neste procedimento é a de lavrar uma ata notarial, ou seja, um documento em que ele “atesta o tempo de posse do requerente e de seus antecessores, conforme o caso e suas circunstâncias”.
Além da ata notarial, são também necessários outros documentos, previstos nos incisos II a IV do artigo 216-A da Lei 6.015/73. Todos estes documentos serão apresentados ao oficial de registro de imóveis, que analisará se a documentação está em ordem e tomará as providências previstas nos parágrafos do artigo 216-A, podendo rejeitar ou acolher o pedido.

Última Edição