A ARTE BATE À PORTA — E A SOCIEDADE FINGE QUE NÃO OUVE

Publicado em 13/12/2025 00:12

Solange das Flores Nascimento (Sol Flores) – Psicóloga psicanalista, atriz e diretora profissional e pós graduada em metodologia do ensino

A Arte acorda cedo.
Ela se veste de cor, de poesia, de coragem e coloca nas costas a missão mais difícil que existe: lembrar o ser humano de que ele ainda é humano. Depois respira fundo, cria forças e vai bater nas portas do mundo. Mas, logo no primeiro portão, alguém grita de dentro: “Agora não. Não temos verba pra isso”.
A Arte sorri, com a paciência de quem já ouviu isso 10 mil vezes, e tenta de novo.
Outra porta. Outro “não”. Ela bate, se apresenta, se curva, se dobra, e ninguém quer deixá-la entrar, porque, para muitos, a Arte é inútil. É “frescura”. É “perfumaria”.
É aquilo que só aparece no rodapé da planilha quando já está tudo pago: luz, água, cimento, imposto.
A Arte? Ah, deixa pra depois. Deixa pra quando sobrar. E nunca sobra.
A Arte caminha pelas ruas carregando seu brilho, mas a cidade passa por ela como se fosse mendiga. “Serve pra quê?”, “Dá retorno?”, “Isso aí é coisa de vagabundo”.
Sentenças pequenas ditas por mentes pequenas, que jamais perceberam que tudo que enxergam só existe porque um artista imaginou primeiro.
A Arte tenta explicar: Ela explica que salva. Que cura. Que previne suicídios sem prescrever remédios. Que une famílias sem precisar de contrato. Que cria pontes dentro de comunidades onde antes só existiam muros. Que reorganiza mentes, resgata memórias, dá palavra a quem nunca teve voz. Que tira uma criança do abismo antes que o abismo a engula.
A Arte tenta mostrar que toda revolução começou com alguém imaginando o que ainda não existia. Mas a sociedade, cansada, apressada, entorpecida de trabalho e boletos, só responde: “Não temos tempo pra isso.”, “Não dá retorno.”, “Isso aí é supérfluo.” Supérfluo.
A palavra cai como tapa no rosto, porque supérfluo, de verdade, é viver sem sentir.
Supérfluo é atravessar os dias sem enxergar cor nenhuma.
Supérfluo é crescer sem poesia, envelhecer sem memória, morrer sem ter sido tocado por nada.
A Arte, mesmo assim, insiste. Ela chega nas escolas, mas tiram. Chega nas praças, mas cortam a verba. Chega nos hospitais, mas mandam esperar. Chega nos municípios e dizem que “não é prioridade”.
Prioridade é tapar buraco. Prioridade é aparecer em foto. Prioridade é construir obras que caem em dois anos, mas geram nota fiscal.
Enquanto isso, a Arte permanece do lado de fora, batendo na porta com a delicadeza de quem não nasceu pra quebrar nada, mas sim pra reconstruir por dentro.
E aqui vem a crítica que muita gente vai engolir atravessada:
A sociedade só não desmoronou completamente porque, teimosamente, a Arte continua segurando seus alicerces invisíveis.
Sim, invisíveis.
E é justamente por isso que muitos não percebem o quanto precisam dela.
A Arte é como oxigênio cultural: você só percebe o valor quando começa a sufocar.
E olha ao redor: não estamos todos sufocando?
Quando a violência cresce, a Arte poderia entrar, mas dizem não.
Quando a juventude perde o rumo, a Arte poderia entrar, mas dizem não.
Quando a saúde mental está em ruínas, a Arte poderia entrar, mas dizem não.
Quando a cidade está sem esperança, a Arte poderia entrar, mas dizem não.
E depois se perguntam por que nada melhora.
A verdade é dura: A Arte é a salvação do ser humano, mas o ser humano ainda não entendeu. Acha que é gasto. Que é perda. Que é bobagem.
E no dia em que finalmente perceber, talvez seja tarde demais.
Mas, até lá, a Arte continuará batendo, porque ela é feita de insistência.
Quem desiste é o homem. A Arte, não.
Ela vai continuar chamando, oferecendo luz para quem só enxerga contas, oferecendo sentido para quem só tem cansaço, oferecendo humanidade para quem está virando máquina.
E a porta, cedo ou tarde, vai ter que abrir. Porque um mundo sem Arte é um mundo morto. E a humanidade, apesar de tudo, ainda não está pronta para morrer.

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