A Farsa da Verdade: o Mundo de Máscaras que Esquecem o Rosto

Solange das Flores Nascimento (Sol Flores) – Psicóloga psicanalista, atriz e diretora profissional e pós graduada em metodologia do ensino
Vivemos tempos de máscaras, e não falo das de teatro, das que revelam a alma por trás da pintura. Falo das outras, as invisíveis, aquelas que o ser humano veste todos os dias para sobreviver à própria falsidade.
É curioso: no teatro, a máscara serve para revelar o personagem. Na vida real, ela serve para esconder o que o personagem se tornou.
O mundo virou um grande palco de fingimentos. A alegria é postada, a tristeza é editada, a palavra é jogada ao vento. E no meio dessa encenação constante, a verdade se perdeu, não por engano, mas por conveniência.
As pessoas falam o que agrada, prometem o que não pretendem cumprir, e juram sentimentos que nunca sentiram. A fala perdeu o peso. O compromisso perdeu o valor.
E o respeito virou adereço de ocasião.
Não é só a política que mente. É o sujeito comum que mente para o amigo, para o trabalho, para o amor e, no fim, para si mesmo. A mentira virou hábito social, um modo de existir. E o que era exceção virou regra: fingir virou virtude.
O teatro, ironicamente, ainda é o lugar onde a verdade acontece. Porque ali o ator sabe que está mentindo, e é essa consciência que o torna verdadeiro. Na arte, o fingimento serve para iluminar. Na vida, serve para apagar.
A psicologia já nos avisou: todos usamos máscaras, e até precisamos delas. Mas quando a máscara gruda no rosto, quando o personagem domina o ser, a pessoa se perde dentro da própria farsa. O sorriso se torna automático, o discurso vazio, a emoção ensaiada.
É o esvaziamento do humano. A morte da ética começa quando a palavra deixa de ter peso. Quando dizer “eu prometo” não significa nada. Quando pedir desculpas é só uma estratégia, e não um gesto de consciência.
Vivemos a era da superficialidade profunda, muito discurso, pouca verdade; muitos rostos, pouca presença; muito “eu te entendo”, pouca escuta.
Talvez o teatro seja o último lugar onde ainda é possível ver o ser humano sem filtros.
Porque ali, na mentira assumida do palco, a alma ainda se mostra nua. E isso é o que mais falta lá fora: gente que se mostre inteira.
Enquanto isso, a vida continua sendo encenada, cada um no seu papel, repetindo falas decoradas, sem perceber que o público já se cansou. O espetáculo da mentira virou rotina e o aplauso virou silêncio.
O problema nunca foram as máscaras. O problema é quando esquecemos o rosto que existe por baixo delas.

