DONO DE AUTOESCOLA EM APARECIDA DO TABOADO É PUNIDO E INDICIADO APÓS 13 ANOS DE FRAUDES

Publicado em 30/10/2016 06:10

Uma autoescola com tantas facilidades que alunos viajam até 110 km para obter a Carteira Nacional de Habilitação (CNH), segundo a polícia. No esquema, não é necessário comprovar endereço e a mudança de categoria, ainda conforme a investigação, não necessita da realização de aulas práticas e teóricas. Em época de prova, no município de Aparecida do Taboado, a 456 km da Capital, é grande a circulação de carros vindos do interior do São Paulo e locais próximos.
Um motorista, de 36 anos, que não quer ter a identidade revelada, contou ao G1 como conseguiu um certificado para a mudança de categoria. Ele procurou a autoescola Ideal, de propriedade de Gilson Rigonato, de 49 anos. Em depoimento, o homem relata que obteve o documento em uma semana, sem comparecer um dia sequer ao local para fazer as aulas.
“Eu falei diretamente com o proprietário e ele disse que eu deveria fazer aulas aos finais de semana, porém eu disse a ele que neste período não poderia e ele então pediu meus documentos para ver o que poderia fazer e determinou um prazo para retornar na autoescola. Voltei no prazo combinado e ele então me entregou esse certificado. Na ocasião, eu não fiz nenhuma aula”, garantiu o motorista.
No início desta semana, o motorista participou de uma audiência em desfavor do investigado. Ele contou inclusive que passou um ano dirigindo como profissional e, desta maneira, levava estudantes diariamente de Aparecida do Taboado a uma faculdade no interior de São Paulo. “O ônibus foi flagrado em uma blitz da PRF [Polícia Rodoviária Federal] e o agente falou que o curso tinha que estar acoplado na CNH. Foi quando eu mostrei o certificado e ele disse que não tinha validade nenhuma. Na ocasião ele me liberou e eu fui procurar o Gilson”, ressaltou Rigonato.
Já na autoescola, o dono do local disse que não era necessário ter o curso na CNH. “Fui em outra autoescola e a pessoa disse que não constava nada do curso no sistema do Detran. A pessoa me orientou a procurar direto no Detran [Departamento Estadual de Trânsito] e lá o diretor me disse que outras quatro pessoas também possivelmente tinham sido vítimas do mesmo golpe, me orientando a registrar boletim de ocorrência”, comentou.
Fora da lei
Conforme a polícia, existem procedimentos contra a autoescola desde 2003. O local enfrentou várias investigações na polícia nos últimos onze anos, tanto na polícia quanto no Detran. Em uma desta ocasiões, outro Centro de Formação de Condutores (CFC) do mesmo dono chegou a ser descredenciado por irregularidades. Apesar disso, o dono continuou a agir fora da lei.
“Existem inquéritos em andamento com relação a este suspeito e que foram encaminhados para a corregedoria do Detran-MS e o Ministério Público. A última ação ocorreu no dia 19 de outubro, quando recebemos a denúncia de uma pessoa que mora na cidade e disse que muitas pessoas de fora da cidade estavam se submetendo a exames junto a examinadores. Nós confirmamos a informação e seis pessoas, entre elas o dono da autoescola, foram encaminhadas para a delegacia”, explicou o delegado Lúcio Fátima da Silva Barros, titular da delegacia do município.
Ouvidas e liberadas, as pessoas foram indiciadas e o proprietário também reincidiu no crime de falsificação de documentos. “Temos inquéritos contra este indivíduo desde 2003. Ele já teve diversas punições. Neste último caso, entre as testemunhas, estava uma pessoa que relatou que o Gilson estava ditando para ele um documento onde declara responsabilidade civil e administrativa perante ao Detran. A testemunha fala que foi orientada e o investigado estava ditando todas as palavras escritas naquele documento”, disse Silva.
Mais barato e mais rápido
A investigação ainda afirma que a autoescola do suspeito cobrava, em média, a metade do preço de outros estabelecimentos do ramo e com um tempo menor de frequência nas aulas. “Devido a facilidade de preço e a mesma facilidade na expedição do documento, por ser mais rápido em Mato Grosso do Sul do que em São Paulo, as pessoas o procuravam pra fazer a mudança de categoria. Segundo informalmente nos falaram, é mais rápido e com preço menor, custando cerca de R$ 2 mil lá e metade deste preço aqui”, ponderou.
Servidora pública há mais de dez anos em Aparecida do Taboado, uma mulher disse presenciou, por diversas vezes, a facilitação em exames práticos e teóricos por parte do suspeito. “Conheço pessoas com muita dificuldade em leitura, consideradas semianalfabetas, que tiraram a CNH na autoescola dele. Quando existiam outras na cidade, estas pessoas reprovaram e então pediram transferência, conseguindo o documento em menos de um mês. Tudo com a facilitação do ratinho, como o Gilson é conhecido aqui na cidade”, falou a G1 a servidora, que também teme represália e por isso não quer se identificar.
Em outras ocasiões, a mesma mulher disse que flagrou moradores chegando de Palmeira do Oeste, Jales, Urânia, Santa Fé do Sul, Fernandópolis e Susanópolis, todas cidades do interior de São Paulo, para fazer as provas. “É por isso que ele está há tanto tempo fazendo isso, sem concorrência. Tudo na cidade a pessoa procura por ele, dizendo que é mais rapidinho e fácil”, ressaltou a denunciante.
Conhecido na cidade
Assim como ela, um servidor estadual fala ao G1 que são varias as denúncias sobre Gilson Rigonato. “Ele é conhecido pela falsificação de documentação, documento público, certificados e pessoas analfabetas e semianalfabetas que passaram pela prova teórica e várias outras coisas que vem em mente agora. Por várias vezes, o curso téorico eu presenciei que o aluno passa a digital e não permanece na sala, sendo que ele teria que estar 100% presencial na sala de aula”, comentou o denunciante.
Por conta de tais suspeitas, que posteriormente foram confirmadas pelo Detran, Gilson Rigonato sofreu punições administrativas e perdeu a licença de instrutor de trânsito. Ele nega todas as acusações. “Falsificação de documento não. Sempre foi essas declarações que tiveram problemas, porque o estado de São Paulo é vizinho e a gente nunca vai atrás de endereço e a gente nem tem tempo de ficar investigando. O aluno chega aqui e a gente pergunta onde ele mora, sendo que pedimos conta de água e luz no nome. Se não tem, a gente passa a declaração e ele vai no Detran”, afirmou ao G1 o suspeito.
Possíveis montagens
Com o documento em mãos, Gilson diz que o aluno retorna e inicia o procedimento na autoescola. “Ele preenche de próprio punho com a sua letra e procede com o processo. Sobre certificado, isso aí faz muito tempo que acabou aqui, mas, quando a gente fazia, era uma outra autoescola que era feito e encaminhado para o Detran. Como muito aluno precisa de certificado, acredito que eles faziam montagens, porque hoje em dia com computador é muito fácil”, alegou.
Questionado se “facilitaria” a emissão da CNH para os alunos, Rigonato também nega. “Jamais, não tem como. As aulas hoje em dia são tudo digitais, com dedo, foto, não tem como facilitar. Lá em São Paulo deve ser em torno de R$ 1,8 mil para tirar a CNH e aqui o pessoal ganha no valor. Nós ganhamos na quantidade, então a gente faz mais barato mas faz 30 alunos, 15 alunos por mês”, garantiu.
No Detran-MS, o corregedor delegado Fernando Villa explicou que possui provas das fraudes cometidas pela autoescola e com isso Rigonato sofreu a penalidade de cassação. “O Detran possui provas das fraudes nos autos e, no decorrer destes anos, a autoescola em questão sofreu punições e seguindo todos os trâmites administrativos. A parte criminal está tramitando no inquérito policial e outras coisas ainda estão sendo apuradas”, finalizou.

G1

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