O Mundo Esqueceu de Sentir

Publicado em 8/11/2025 00:11

Solange das Flores Nascimento (Sol Flores) – Psicóloga psicanalista, atriz e diretora profissional e pós graduada em metodologia do ensino

As pessoas já não vão mais ao teatro. Não se espantam com a mágica de um ator que respira outro ser. O circo, que antes fazia o céu caber dentro de uma lona, agora é só lembrança de infância.
O cinema virou ruído de fundo enquanto o celular vibra. E as exposições… ah, as exposições viraram retratos de um tempo em que ainda havia tempo.
Vivemos cercados por telas, mas cada vez mais longe do olhar. A arte, que um dia foi janela para o mundo, virou um quadro empoeirado no fundo da memória coletiva.
Ninguém quer mais ver o que dói, o que provoca, o que transforma. Preferem o conforto da distração.
É curioso: nunca tivemos tanto acesso à arte, e nunca estivemos tão distantes dela.
Podemos ouvir orquestras inteiras no celular, assistir a peças, visitar museus virtuais.
Mas perdemos o encanto, o arrepio, o ritual de estar presente. E quando a arte deixa de ser vivida, ela deixa de curar.
A psicologia sabe: o ser humano precisa do belo, do simbólico, do gesto criativo.
Sem isso, adoece. A alma se torna mecânica, o pensamento se repete, o corpo se apaga. Ausência de arte é uma forma lenta de morte emocional.
O problema não é a falta de espetáculos, é a falta de entrega. A pressa, o medo, o excesso de notícias ruins, o bombardeio de tragédias, nos anestesiaram. As pessoas perderam a capacidade de se maravilhar. Vivem cansadas, tristes, descrentes…
como se o mundo fosse apenas o que a tela mostra, e não o que o coração ainda é capaz de sentir.
A arte sempre foi um espelho. Mas agora, o reflexo devolve rostos que desviam o olhar.
É mais fácil rolar o feed do que encarar a própria sombra. Mais fácil rir de um vídeo do que rir de si mesmo com ternura. Mais fácil consumir do que se permitir sentir.
E, no entanto, é a arte que nos devolve o humano. É no palco que reconhecemos nossas dores. É na pintura que encontramos silêncio. É na música que lembramos o que é respirar fundo. A arte é o remédio que o mundo esqueceu de tomar.
A vida ainda é bela, mas exige presença. Exige pausa, escuta, olhar. E talvez seja isso que mais falte: o tempo de viver o que se vive.
O planeta continua magnífico. O pôr do sol ainda acontece todos os dias. Os artistas ainda resistem. Mas o público precisa acordar.
Porque o dia em que ninguém mais quiser ver, ouvir ou sentir, não será a morte da arte, será o fim da nossa própria capacidade de existir como seres humanos.

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